8 de junho de 2011

GD 96 O PESO MÓRBIDO...

 Não adianta reclamar dos line ups de festivais. Isso é o que temos no momento.
Uma legião de orfãos que ainda vivem em décadas passadas e bandas que por mais ruins, ainda lotam apresentações. Quem produz fica feliz pois ingressos de R$ 300,00 esgotam-se em horas. Não adianta reclamar do preço, das bandas. Fãs existem até para a Calypso. Então se quer alguma coisa, tem que tomar as rédeas da situação, como no exemplo dado pelo projeto Queremos do Rio de Janeiro.

Mas a certeza é que estamos ainda muito longe de nos entendermos quando o assunto é festival de música. Mesmo porque um dos melhores discos do ano, está fora de qualquer escalação brasileira.

A banda nasceu em 2008. Um quarteto do Brooklyn que possui toda uma gama de hemácias quentes produzidas por stoners e shoegazers. Nick Chiericozzi, Mark Perro, Chris Hansell e Rich Samis, formam uma fábrica de sons tão atordoantes quanto um atropelamento de Airbus.
THE MEN, a banda, é uma estrutura feita de lava e explosivos.
Simples e reto.
Nada mais importa a não ser a velocidade e riffs que são tão cortantes como navalha. Com dois discos (We Are the Men e Immaculada), uma coleção de fitas cassetes e EPs, a banda lança Leave Home.

Um dos melhores discos do ano, isso sem exagero algum e sem sombra de dúvida.


Tudo começa quando liga-se a caixa de fusíveis invertidos da canção que abre o disco, If You Leave. Zunido com sintetizadores que parecem montar uma floresta matemática, onde os animais noturnos são formados por eletricidade. Como caminhar por um labirinto às escuras, apenas escutando máquinas assassinas por entre as árvores de lata. Uma lâmina que corta o profundo e amendrontador nada. Quando um acorde de esperança parece ao longe deixar sua alma mais calma.
Ledo engano.

O que se tem segundos depois é uma explosão sanguínea onde não se pode diferenciar o que é pele do que são ossos e articulações. Como tomar um tiro direto no peito, mas que vai aos poucos deixando a pólvora morna fazer seu trabalho. Cervicais enrolando-se por entre o desejo de decapitação e apenas um refrão hipnótico em transe:
"Die, I would die, I would die, I would die..."

São riffs sujos de uma produção tão assimétrica, que muitas vezes parece não existir a menor vontade de soar limpo e cálido. Febre de acordes cada vez mais monstruosos e que trocam de velocidade e tempo, como se isso fosse um pré requisito para uma respiração contínua. Sete minutos e meio onde seu corpo é transportado para uma dimensão de peso e sangue.

Essa característica de produção desleixada, segue em Lotus. Punk de primeira linha, onde uma menção à bandas como Future Of The Left parece nascer por entre as cordas. Não existe escapatória, e para onde se corre é possível sentir as veias de seu pescoço em explosão. Bate estaca, pogo time equacionado de maneira tão visceral, que em nenhum minuto você deixa de sentir a pulsação.
Isso tudo em uma faixa instrumental. 




Mas tudo pode ficar mais pesado ainda, se por acaso as guturais farínges de Think invadirem seus ouvidos. Claustrofóbica ao extremo, com uma quantidade de desvios e assimetrias em guitarras que deixariam Omar Rodriguez Lopez orgulhoso. Música de serial killer, aqueles que escolhem suas vítimas com requintes de crueldade inimagináveis. É possível fechar os olhos e ver a lâmina afiada cortando a garganta em cada nota. Vísceras e claves espalhadas pelo chão, em um quarto morno e sujo. Onde o ar possui um gosto amargo e denso.


O disco da The Men foge do convencional, pois tem músicas que são (para esses tempos binários) verdadeiras epopéias de tempo. 
L.A.D.O.C.H. é uma dessas.

Seis minutos de alquimia entre death metal, tato e agonia. Palpável desespero dos vocais e uma parede sonora que provavelmente vai torrar sua membrana auditiva. As guitarras mais uma vez conseguem notas gigantescas e desconexas. O baixo não pode ser comparado à uma linha stoner rock, pois é tão pesado que a impressão que se tem é ser abatido por um guindaste. São minutos de claustrofobia mórbida, com uma parada que tem ecos de destruição.
"Nothing is here to stay!!!", grita a letra.
Nada mais certo que a frase para ilustrar o disco.


E assim a metade do álbum chega. Seus ouvidos sangram e sua alma está ceifada por alguma encarnação mortuária anfetamínica. Mas seu corpo ainda vai aguentar mais uma dilaceração, a canção ( ).
Sim esse é o nome dela.

A banda resolve sujar o disco de uma vez e o efeito In Utero na produção parece ser cada vez mais primal. Uma das melhores canções do álbum, sem tempo de buscar ar na superfície. Você está definitivamente sendo tragado para as profundezas mais barulhentas do inferno. Sua alma vai clamar por paz e uma morte rápida, mas isso não será possível. O derretimento da epiderme é algo inevitável ao som da banda. Marcha spawniana de um exército de cabeças que colidem.
São os cinco minutos mais viscerais do ano.


A hipnose cervical continua com Bataille.
Não existe tempo para acender um cigarro, sem que seus ossos sejam esmagados pelos riffs. O lado mais radiofônico da banda é esse. Pesado, estranho.
Nessa altura da audição, a conclusão é que não dá para ficar mais palatável do que essa canção. Mas ainda existem certas surpresas dentro de Leave Home. Mesmo que por muitas vezes, o disco pareça um experimento ludovicaniano embebido em podres acordes.

No momento onde a sua garganta está seca e dolorida depois de tantos socos, uma canção com ecos de tempos pós punks chega de repente. Shittin' With The Sha parece uma alquimia depressiva de qualquer banda com olhos de cemitério. Mas são escalas com diferentes passagens e riffs áridos.
Uma opereta instrumental que possui ecos de um suf mórbido. Por incrível que possa parecer, é possível chama-la de pop. Mas como sempre em estado puro de lado B.

A banda fecha o trabalho com algo mais estranho ainda. Night Landing tem bateria eletrônica, sintetizadores e uma guitarra que não é mais espacial por falta de galáxias.
São ecos e mais ecos desencadeando uma equação que é ainda mais anos 80 do que a canção anterior. Tony Wilson contrataria a banda se ouvisse essa música.
É o peso de todas as anteriores condensado em uma viagem pela velocidade da luz. Desespero de quem está do lado de fora da nave, em contagem regressiva de menos 5.
Petardo de uma Madame Satã e seu teto baixo, com suores colabados nas paredes.

Leave Home é um daqueles discos que você ouve quando está com raiva. Mas também é de uma beleza suja incomparável.
Não indicado para quem tem estômago fraco ou problemas de equilibrio. Apesar das longas canções é rápido e preciso. Obrigatório para quem ainda acha que não existem mais possibilidades de criação dentro da música. Um cheiro do passado zumbi aterrorizante e de sensacional modernidade.

Vou me repertir, mas definitivamente The Men produziu um dos melhores discos do ano.
Baixe!!!!.