9 de janeiro de 2024

, ,

O cheiro

Andava em desalento na calçada. Apenas resvalava no cotidiano, pois eram demais os pensamentos em toda fúria da discussão. Ao entrar, novamente perpassando-a, não notou o bilhete na mesa, colocado embaixo do cinzeiro que jamais estivera ali. Somente o cheiro da gaveta impregnava a casa.

29 de outubro de 2023

, ,

seco rosto

seco rosto anlágrimas

precipitar o desespero do precipício



estrago d’alma

quand’a calma órbita d’tormenta



peito macerado morre morno

no frio mascavo

,

como sempre

 por favor, eu queria pagar isso aqui.

pode passar por debaixo do vão por aqui

obrigado. de nada.


olha, tudo deu cento e sessenta e quatro reais.

caro né?   Ah;   as contas estão pela hora da morte.

bom aqui está, duzentos.

obrigada. de nada.


seu troco, catorze reais.

obrigado. de nada.


a senhora poderia… sim? ver esses resultados aqui.

lógico, pode passar pelo vão.

algum deles foi premiado?

deixa ver.

obrigado, de nada. 

20 de julho de 2022

crônicas sobre a pandemia III

por toda uma vida existiram apenas ordens. sempre e unicamente comandos. 
a ditar o caminho o medo como arreio puxado até mostrar os dentes. 
o vaso arremessado que achava seu caminho por entre as flores da mesa, sempre certeiro em exprimir
seus desejos. tudo era matemático, tudo era mimético, tudo era uma fivela, um vespeiro, chutes durante
sete quarteirões, braços torcidos, o banco, a cara e seus tapas.
tudo era uma jaula e eco, eco e força, força e poda, poda, eco, força e jaula. 
 
a perda óssea dentária pode ocorrer de muitas formas, umas delas é ligada ao extremo grau de pressão feito entre a mandíbula e maxila por longos períodos, outra forma interessante é ligada ao bruxismo.
é aí que as coisas ficam jovialmente interessantes.
se ocorrer a união desses dois fatores a doença periodontal se instala de uma forma rápida, 
acompanhada de um duplo diastema por conta da pressão entre esses dois segmentos ósseos. assim, a situação se resume em alguns sintomas dignos de novela:
sangramento abundante, dor, instabilidade dos dentes (com queda) e mais dor.
eu citei dor?
tudo era uma jaula e eco, eco e força, força e poda, poda e dor, dor, poda, força, eco e jaula.
 
quanto tempo uma pessoa pode permanecer presa?

quanto tempo uma pessoa pode permanecer em quarentena?

quanto tempo uma pessoa pode permanecer obedecendo ordens?
 
não havia uma quadra central. na verdade havia, mas a importância da matéria de educação física era tão grande 
dentro da escola, que todas as atividades eram realizadas no ginásio municipal. todas as classes e seus times estavam lá. infestação de masculinidade adornada em suas bordas pelo prédio do tiro de guerra, obrigatório em mais alguns anos.
suor e profusão hormonal que desencadeariam para alguns daqueles meninos em violência doméstica contra suas companheiras. alguns nem demorariam tanto.
outros já eram violentos sem ao menos precisar crescer até os dezoito anos.

estes eram reconhecíveis ao longe. 

seus olhos sempre foram secos e iluminados em períodos. iluminados de dentro para fora, com uma única cor independente de suas íris. a luz saia pelo nervo ótico e atravessava o cristalino para refletir uma mancha marrom que tomava toda a cavidade. era uma cor de terra encharcada, como se um animal pisoteasse o chão com tanta ferocidade que a mancha marrom perfurou e levou com ela metade da terra existente. ela refletida naqueles olhos marrons não existia mais, havia apenas um vazio. um vazio marrom.
um vazio marrom só percorrido pelo cabo da vassoura aterrado em suas costas.

a quadra, cercada por quatro arquibancadas, possuía em duas delas túneis usados como espaço de aquecimento aos times, ou a depender dos olhos, espaço para espancamento. naquele dia porém ambos estavam vazios, mas as arquibancadas não. nelas residiam por alguns minutos Nevada & Sergipe. estáticos como seus devidos locais tectônicos no mapa mundo, sem mover nem ao menos um dedo, como se não estivessem ali, como se nada além da milionésima fração de silêncio brutal onde seus dois encéfalos estavam completamente imersos existisse. apenas auras, nem ao menos elas, pois estas ressoam energia e ressoar energia gera som. mas eles estavam lá. era possível vê-los, não era nada alucinatório, muito menos alguma concussão causada pelas pancadas.

ou era?
a doença periodontal era silenciosa, concussão também deve ser.
mas elas estão separadas por muitos anos. 
não era.

estavam lá parados e criando curiosidade. nunca foram mesmo de muita conversa. um trabalhava depois das aulas como polícia mirim, o outro, repetente recorrente já andava de moto e trabalhava em um escritório.

polícia mirim era uma profissão na cidade criada pela prefeitura e polícia militar como forma de retirar os meninos e meninas da influência nefasta das drogas e álcool. o alcoolismo era uma das maiores fontes de problemas naquele lugar. não havia cultura, não havia escolas suficientes e socialmente quem deu as cartas foram os casamentos consanguíneos das famílias brancas latifundiárias da cidade. ou seja, ser alcoolista era apenas uma questão de tempo.
muitos deles formavam famílias e batiam em seus filhos.
tinham os mesmos olhos. 

enquanto Nevada & Sergipe desciam os degraus das arquibancadas era possível ver que um pedaço de saco plástico vazava pelos arrabaldes de uma das calças. mas como perguntar algo para alguém que estava com pressa e iria trabalhar. melhor seria esperar até quinta. o único problema é que antes haveria uma quarta feira.  
         
mas quarta feira é outro dia...
sete quarteirões de socos, pontapés e cabeça contra a parede. 
mas isso é outro dia. 

quinta feira:
o saco plástico era um receptáculo
o receptáculo era para um produto químico
o produto químico era cola de sapateiro
cola de sapateiro era um inalante
inalantes chegam mais rápido ao sistema nervoso central
numa quinta feira um inalante chamado cola de sapateiro percorreu um sistema nervoso central.

não era uma questão de desconexão com a realidade, muito menos as consequências sinápticas que aspirar
um produto químico traziam ao encéfalo emulsificado em repressão. há uma conotação a ser feita aqui, pois 
outros inalantes foram colocados à prova ao longo do tempo dentro do mesmo encéfalo por muito mais tempo
e com muito menos destempero aos efeitos, porém por ser o primeiro há sempre a possibilidade desta experiência ser colocada em alto patamar de loucura. mas não era o deslocamento do binômio corpo & alma, era o silêncio.
 
o silêncio, o silêncio e o...
silêncio.
 
a única fonte de reveladora paz era a completa falta de sonoridade que a cola de sapateiro dava ao mundo. tudo ficava quieto, não restava nem ao menos os sons pulmonares onde poderia se ouvir um pequeno chiado, uma pequena fresta bronquiolar por onde o ar entraria e assoviaria uma vida pequena, pelo menos um assovio talvez. nem isso. por precisão não era necessário nada mais que aquilo, todo o ruído que o mundo poderia proporcionar naqueles dias era apenas violência. não fazia sentido algum iniciar um novo ciclo já que a grande descoberta do século se alumiava logo ali na frente do desespero cartesiano. sem alarmes, sem surpresas, mas você já ouviu isso antes. mas ele estava lá, o silêncio. 
o corpo não respondia aos tremores que ele mesmo produzia, como se estes fossem pequenas brisas ondulares numa praia azul e sépia cola. por eles a cabeça perambulava na falta de gravidade e dentro do círculo amarelo que se formava ao fechar dos olhos os pés mergulhavam, do avesso, os levavam enquanto puxavam as pernas que seguiam. mais alguns segundos todo o corpo fazia morada ali. não seria diferente, não seria nada além disso por mais de dez segundos. a enésima maravilha de uma vida revelada em uma urna sem som, onde o corpo sem pancadas repousaria e dormiria por séculos. pelo menos até o final dos dez segundos. 
 
três anos de pandemia e muita coisa foi gritada ao longo de todas as arquibancadas possíveis. um tiro de guerra do tamanho de uma país tocando ordens de morte, revelando famílias inteiras de genética quatrocentona que preferem matar mais de seiscentas mil pessoas a tentar dissolver do poder uma outra família, de viés neo nazista e sua ss, sua gestapo e seu reich do telegram. há até espanto em toda terminologia, mas as coisas devem ser chamadas pelo seu nome... 
as coisas devem ser chamadas pelo seu nome:
 
cola de sapateiro,
os bolsonaros são neo nazistas
ss
gestapo
reich
pastores pedófilos
ministros bandidos
presidentes de bancos estupradores
espancadores de merda
os filhos duma puta do MBL
 
moramos por três anos em túneis do ginásio municipal. espancados e colocados como corpos a serem defenestrados. veja bem que existem categorias que foram muito mais defenestradas do que outras e mesmo assim todos foram. não há silêncio, não há cola. o solvente que existe não consegue nem ao menos nos trazer quietude, pois manter o encéfalo longe das situações é impossível já que é preciso comer. o único silêncio é o tempo entre as bolhas, as que saem do nariz enquanto nossas cabeças são forçadas dentro da privada cheia d'água. e haverá o tempo onde silêncio será aquele que precede o choque, aquele da porta do avião a abrir-se para que os corpos sejam despejados no mar. e haverá o silêncio dos desaparecidos, que se tornarão fantasmas.      

não existe cola de sapateiro que dê jeito nesta violência. não existe solvente que ajude, muito menos duas regiões do planeta que salvem-nos desta merda onde estamos enfurnados até o pescoço.
mas há o revide, há o grito, há o urro, há a pedra na vidraça, há a rua e há o caminhar em grupo.

o silêncio apenas deslocou a realidade e deixou como herança uma receita de lítio, carbamazepina, diastemas duplos e gengivas que sangram. 
e a eterna perseguição de dois olhos marrons.

1 de junho de 2022

a mesa

aquela mesa era um calabouço
dividida por duas gerações
dividida por duas pessoas
que mal se conheciam
enquanto permaneciam em seus assentos
porém possuíam o mesmo sobrenome

era uma mesa de fórmica
branca
quatro cadeiras
-vieram de fábrica-
serviam de proteção à uma das gerações
arma para outra

porém as duas esperavam
cada uma em seu canto
esperavam a mesa dissolver
esperavam uma esperança nesta mesa
esperavam uma bala na cabeça
nesta mesa esperavam...

aquela mesa era um colapso
as aulas que foram perdidas
descoladas de um dos corpos
como se fosse um preparo
experimento em cima desta mesa
ser preparada
perpetuada como antes
sua mãe fora
no chicote atrás da porta

esta mesa era arame farpado
rasgando rosto até o osso
impedindo o voo
segurando as asas
desaladas como jornal rasgado
essa mesa separa duas gerações
no mesmo laboratório

duas pessoas de longe
na mesma mesa
placas tectônicas as prendem
chicote as mantém perto
o riste em riste seco
a mesa é apenas o trôpego
o bêbado
a decepadora
que rompe a folha
um desespero que debilita
as duas pessoas esperam
seu futuro
nesta mesma mesa
separadas por décadas

jamais se encontrariam
mesmo ali
naquele mesmo espaço
naquela mesma mesa
a fórmica fria jamais seria
um local do abraço
apenas da separação
levada por décadas até a tela de um telefone
anos depois
mesmo sentados no mesmo local
na mesma mesa
apenas restavam aos dois
o espanto da distância
cadeiras empurrando destinos
desespero da não linguagem
vazio de acenos feitos por partes
queimadas com ferro de passar
ou canudos frios

separados na mesma mesa
o não
o impotente
um soco
a desistência
aquele colégio empurrado pelo abismo
a incapacidade do encontro
na mesma mesa
ali parada
estática como lágrima
impedida de cair por completo

15 de março de 2022

filtro

pensar penar perdurar perder
sem pestanejar
partir para partes
persistir

devastado

acordar oprimido enquanto
se masturba
na cozinha

afasta todas as ilusões 
resta apenas o fracasso

as duas manchas de sangue falso
escorrem pelo filtro de barro
não escondiam o mofo externo

como um torno aperta
vagaroso
o ar
dentro do peito

27 de janeiro de 2022

provisório

esta mesa era um açoite
toda de-s-anima e largar
vida que se apresenta
simples instinto da dor

como se fosse fardo
como se a derrota fosse fato inexorável
como se o corpo estivesse longe
vendo a alma perecer

não existo dentro do cotidiano
sobrevivo moldante de sonhos
em casas imaginárias

onde escadas escorrem
amor d'água
marinheiras navegam em mares lodos

minto à mim mesmo
sorrindo no açoite
fingindo poesia
enquanto mãos queimam.

22 de julho de 2021

7 de julho de 2021

Flor de lótus

Os raios solares
descreviam camadas descendentes
na pele aos poucos ressecada
 
Muito mais ao norte que gostaria
pernas semi longas
cabelo raspado há quinze dias
não apresentavam contrastes
com sua pele branca e olhos castanhos.

Não havia nada maravilhoso
em seus fenótipos,
naquele dia em especial
muito menos.

Sentia cada pedaço da radiação
invadir suas recentes marcas de expressão
e,
ressabiado permanecia
pelo correr dos dias.

Passos pequenos na direção do trabalho,
passos menores na direção da volta.

Um suspiro dentro do metrô
nervosismo de trabalhar em masmorra cartesiana
suspiro de alívio ao voltar para casa.

, ,

casa

tempo elástico num jardim alado
onde origamis pretensiosos
ascendem enganos

trava-se quadril
conta-se até três
pilares enfim dilatados

telhados desenhados
vigas quadrilaterais
perpendiculares ângulos

ovais janelas
onde água perpassa
madeiras lágrimas 
num enorme gradeado

sala pulsa labaredas
aquecem o pequeno lavabo
morada de moviolas
tríceps de cadeira muda






                                       

23 de fevereiro de 2021

,

poema sonho 2

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,

poema sonho

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}



um

um passo,
é só um passo

mas um só passo, 
é um passo

29 de agosto de 2020

o tempo força antecipadamente
frustrações.

como se a cada volta
dum metrônomo

,enquanto mãos alcançam o vazio,

seduz promessas do futuro.

no fim gargalha sarcasmo,
crava tapinhas nas costas
no passado.

ciclo fixo no espaço,
escape eterno pelos dedos

[isca
fomenta promessa afogada,
alcalina.
ecoando pr [a] lém
das bolhas espaciais.

assim,
ao sentir o carinho frio do ontem...
enquanto o desejo se forma para tornar-se outrora,
o tempo tique traquina troças

[por saber:
que só se alimenta o presente.

         




13 de julho de 2020

,

constante

constantes são sempre sonoras,
ecos perfazem décadas.

envelhecer é vento assovio,
desgasta lento as bordas
                       [nunca por completo.

vincos temporizados desde outrora,
desta genealogia alva.