1 de junho de 2022

a mesa

aquela mesa era um calabouço
dividida por duas gerações
dividida por duas pessoas
que mal se conheciam
enquanto permaneciam em seus assentos
porém possuíam o mesmo sobrenome

era uma mesa de fórmica
branca
quatro cadeiras
-vieram de fábrica-
serviam de proteção à uma das gerações
arma para outra

porém as duas esperavam
cada uma em seu canto
esperavam a mesa dissolver
esperavam uma esperança nesta mesa
esperavam uma bala na cabeça
nesta mesa esperavam...

aquela mesa era um colapso
as aulas que foram perdidas
descoladas de um dos corpos
como se fosse um preparo
experimento em cima desta mesa
ser preparada
perpetuada como antes
sua mãe fora
no chicote atrás da porta

esta mesa era arame farpado
rasgando rosto até o osso
impedindo o voo
segurando as asas
desaladas como jornal rasgado
essa mesa separa duas gerações
no mesmo laboratório

duas pessoas de longe
na mesma mesa
placas tectônicas as prendem
chicote as mantém perto
o riste em riste seco
a mesa é apenas o trôpego
o bêbado
a decepadora
que rompe a folha
um desespero que debilita
as duas pessoas esperam
seu futuro
nesta mesma mesa
separadas por décadas

jamais se encontrariam
mesmo ali
naquele mesmo espaço
naquela mesma mesa
a fórmica fria jamais seria
um local do abraço
apenas da separação
levada por décadas até a tela de um telefone
anos depois
mesmo sentados no mesmo local
na mesma mesa
apenas restavam aos dois
o espanto da distância
cadeiras empurrando destinos
desespero da não linguagem
vazio de acenos feitos por partes
queimadas com ferro de passar
ou canudos frios

separados na mesma mesa
o não
o impotente
um soco
a desistência
aquele colégio empurrado pelo abismo
a incapacidade do encontro
na mesma mesa
ali parada
estática como lágrima
impedida de cair por completo