8 de julho de 2011

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GD 100 PELO CENTRO


Andar pelo centro de São Paulo requer uma dose de audácia.
Os prédios que cortam o céu encarando sua sombra, formam marcas de guerra em cada reboco da parede. Sorrisos fotográficos formados por fios e janelas, passam por uma sisuda fachada. Feridas abertas em cada pedaço de cimento.

Porém a beleza dos casarões inebria. Castelo transilvânico repleto de sulentas súcubas em meia veste, a geometria do centro envenena.
Caleidoscópio de faces, repletas de geografia. Passando como um mapa mundi em sua frente.
Pessoas, deambulantes.
O relevo humano dissonante que transpassa seu caminho por entre as ruas, revela uma impossível dualidade. Tantos e tão poucos que se reconhecem.
Andar pelas ruas do centro de São Paulo, requer uma dose de poliglotismo.


Mas caminhar pelas ruas do centro de São Paulo, também é passível de humanas bússolas internas.
Pois existe um lugar por onde sua mente não comporta o peso. Por entre uma lateralidade da retina do furacão.
Glete, Nothmann, Dino Bueno.
O correio nem é tão longe assim.
Quadras, passadas, latas.
Propositalmente pego o isqueiro, quero testar os poderes da mente. Dizem que a marca jamais sai do cérebro. Como tinta que inserida na pele, funde-se. Existe uma fossa neuronal que é demarcada como o reboco dos prédios que te cercam.
Não menos que feridas de guerra.
Pois andar pelas ruas do centro de São Paulo, requer uma dose de neurologia.

Possível entender o que se passa dentro das enzimas junkies das pessoas. Experiência pós mortem como nesses documentários da emissora das descobertas. Aquele gosto de alumínio sobe por entre suas narinas com se fosse bálsamo. Uma dança vitoriana trôpega, com um casal de ballet em névoa. Ejacular mentalmente milhões de espermatozóides em lava, em uma vagina moldada em seiva. Uma quimera pandora aberta em tunel de fusão em elétrons.

Embebece,
amedronta,
goza,
foge,
corre,
queima em velocidade da luz.

Mas exatamente por isso mesmo, que andar pelas ruas do centro requer uma certa dose de calmaria.

Como não se pode falar em coragem, quando para se chegar ao ponto escolhido e ao seu parceiro de pedra preferido, é necessário passar por cima de tantos medos e fobias. Resignação incontida dentro de um peito de lata.
O caminhar pelas ruas de Oz, é assim. Luta interna, uma disputa por um corpo que baila nas vontades de sinapses em velocidade desgovernada.


O andar dessa vez é outro, mas mesmo assim os cuidados são necessários. Nada de blusas fechadas, mãos nos bolsos ou capuz.
Faço as três ao dobrar a esquina da rua Dino Bueno.
Caminhar é pesado, determinado.

A nuance olfativa do alumínio e cachimbos batem atrás de minha nuca. Passos colocados em ordem decrescente de contagem, o tênis é feito em ferro e a germinação de uma bolha no quinto dedo é eminente. Mas os passos já não me pertencem mais.
Destino, acaso, foda-se.
Um a um, eles me interpelam. Querem saber quais as minhas condições. Saber se o meu eu pode adentrar ao mundo, onde as condições são feitas por quem consegue um aceno na direção correta.
Porque para poder caminhar pelas ruas do dentro de São Paulo, é preciso um certo brilho no olhar.

Não é problema de saúde pública, mas sim humanidade pública.
Aquário em céu aberto e gélido, esperando a nova leva de reportagem, fotos e textos. Escroques semi profissionais que prolixamente destilam pedantismo.
Inergúmenos acéfalos como eu. Passantes como a polícia que apenas ri. Afinal de contas, bom humor é primordial para andar pelas ruas do centro.

Mas dói no fundo de sua alma em lata. Como se uma britadeira explodisse suas articulações das costelas. Arrancando de dentro do peito à forceps serrilhado, uma quantidade infinita de vísceras. O tremor das mãos e a palidez das retinas são suas, não deles. Vagando por entre um vagabundo coração em cinzas, carregando tudo o que se pode sentir em suas costas. Entorpecidos sentimentos que se calam, por entre o andar vagaroso e os olhos secos de areia.


Por muitas vezes eu penso que a não humanidade da Prefeitura de São Paulo, para com os moradores da cracolândia, é consequência da forma como se governa (porcamente e mal).
Na verdade, o que acontece é controle populacional.

O crack e o oxi são duas armas de destruição em massa. Baratas, acessíveis e exterminadoras de moradores de rua, viciados e servis junkies. Matam seriamente e rápido.
Não existe mais espaço vazio, não existe acomodação para tanta gente.
Permitir que a droga seja controle de população é muito mais fácil, mais barato.

O coração já dói, a sensação da lata então se desfaz levemente por entre a fria corrente de vento. Subindo a Barão de Limeira, indo encontrar o único lugar que faz sentido nesse mundo.
Porque para que se ande pelas ruas do centro de São Paulo, existe a necessidade urgente que se crie humanidade.
E sem uma enorme dose de ventrículos, isso não é possível.