5 de agosto de 2011


 Hoje foi anunciada a vinda do Lollapalooza para o Brasil. Mega festival nascido há vinte anos pelas mãos do sempre coerente (musicalmente e humanitariamente) Perry Farrel. Vocalista e fundador de uma das mais vulcânicas bandas de todos os tempos, a Jane's Addiction. Obviamente um anúncio dessa magnitude faz nascer uma série de aclamadas palmas para todos os envolvidos. Uma saraivada de aleluias pelos possíveis line ups. Já cogita-se a vinda de grandes nomes (e necessários) como Foo Fighters, a prometida desde sempre Arcade Fire ou outro de peso.

Não que essa notícia não seja boa.
Ela é.

O Brasil por mais cultura que exporte (não cabe aqui julgar se ela é primordial ou não, muito menos de boa qualidade), ainda carece desse tipo de evento. Temos grandes festivais, com iniciativas muito bem vindas (como o Maquinaria, Planeta Terra e até porque não o "se não quer perrengue não saia de casa" SWU).


Mas sempre existe o clube dos descontentes (incluso esse sacripanta que vos escreve), que estão sempre à reclamar de tudo. Por isso mesmo que um festival como o Lolla SP 2012 vem para definitivamente colocar o país na linha de frente das atrações internacionais. Muito mais até do que o televisivo e Global Rock In Rio.

Aliás o RIR tem rock só no nome. Também é um evento como foi o sorteio das eliminatórias da Copa do Mundo, realizado semana passada no Rio.
Uma fachada primordial para os demandos que acontecem na cidade. Muito melhor mostrar para o mundo (via Multishow e Globo) as pessoas felizes, pulando e gritando é gol do Brasil.


 Melhor do que ver cidadãos da cidade despejados criminosamente de suas casas, retirados de seus lares pela prefeitura do Rio de Janeiro com a desculpa de que "esse povo na verdade é uma orda de grileiros que se apoderaram dos terrenos públicos".
Enquanto os governantes massacram a população e os colocam em moradias do Projeto Minha Casa, Minha Vida (que deveria mudar de nome para Vida Ordinária e Porca, tamanha a falta de estrutura das construções), os felizes possuidores de cartões do rock, ingressos da Copa ou Olimpíadas poderão andar sossegados pela vias elefante branco construídas pela cidade.

Enquanto isso o povo desalojado da zona oeste continua nas mãos de milícias.
Sim, elas ainda existem pelo Rio.
Capitão Nascimento, dotado de seu pau murcho e impotente não conseguiu livrar-se delas. Afinal de contas:

"O sistema é foda parceiro".

Mas o assunto aqui não é a Copa, muito menos o Rock In Rio. E sim o mais novo festival de São Paulo.
A chamada desde sempre "capital cultural do país", mostra-se mais uma vez forte. Afinal de contas temos que nos orgulhar, além do Concurso de Miss Universo, teremos o Lollapalooza. Mas existe algo que esconde-se por entre a felicidade geral da nação. Um problema que desde os tempos em sépia é varrido para debaixo do tapete.

Mas antes uma história:

Quando aconteceu o show do AC/DC aqui na capital paulista, a correria por ingressos foi grande. Lembro-me de ter permanecido na fila por duas horas. Sol na cabeça, ensolarando as sinapses. Na fila conversei com centenas de fãs da banda. Dividimos contos e canções. A dupla de horas passou rápido, quando dei por mim já havia comprado meu ingresso, assim como para meu irmão. Assisti à um dos melhores shows de minha vida. Mas essa felicidade foi logo para o beleléu da casa de qualquer caralho, quando Paul McCartney veio para São Paulo.


Algo mudara na maneira em conseguir os ingressos. Na verdade não mudara completamente, pois sempre existiu venda de ingressos pela internet. Comodidade que é também bem vinda, afinal de contas nem todo mundo não tem nada para fazer e pode ficar em uma fila por horas e horas. O problema é que como quase tudo aqui no Brasil, muda-se a forma, mas não conteúdo.

Vender ingressos via web é uma saída muito boa.
Mas da maneira como ela é feita aqui, exclui.
Não faz com que as pessoas juntem-se por uma causa nobre (assistir à um show de rock), mas sim com que elas acabem com a paciência que já não existe no abafado mundo poluente da cidade.
No show do Beatle, durante a coletiva de imprensa (eu estava lá, por isso eu sei), tudo muito lindo. Vídeo de Paul simpático, acaloradas palmas e perguntas condescendentes.

Mas desde lá, já existia a palavra venda de ingressos para pessoas possuidoras de cartões de créditos diferenciados (vou usar uma palavra da moda, quem sabe fico indie). Pessoas dotadas da comodidade na comodidade, poderiam adquirir seus ingressos primeiro.
Justo?
Pode-se até dizer que para a pessoa que trabalhou, ralou a camisa para poder ser possuidor de tamanha comodidade é sim justo.
Mas quem ainda recebe bala de troco, tem o direito de ser excluído?

Primeiro eles querem que se use moedas, depois que se use o cartão. Nunca as grandes corporações possuem um slogan do tipo:
"Nós garantimos sua liberdade e seus direitos". Sempre é algum tipo de ordem velada.
Use tal cartão, venha para o nosso banco, compre Batom....

Esse método de venda só seria útil se não permitisse que ocorressem as barbáries que se veêm nas filas para as pessoas comuns, logo depois das vendas especiais. Um exemplo é novamente o show de Paul. Na fila para as compras das pessoas que recebem balas de troco, já existiam cambistas vendendo ingressos por preços absurdos. Indagado por mim como um deles conseguiu os ingressos, a resposta foi simples:

"No dia da venda especial para cartões de crédito".


Esse sistema de vendas fomenta a descriminação e o aumento do roubo que se faz com a população que gosta de música

Nos quatro shows da banda U2 (aquela do vocalista que ajuda os pobres), aconteceram desmandos e má conduta com as pessoas. Desinformação e sites vendendo ingressos (que já estavam esgotados para o povo) por preços infâmes. Tudo isso fez com que a banda conseguisse tornar sua turnê a maior do mundo. Nas costas de quem processou a Ticket For Fun

Mais recentemente o show da banda Pearl Jam (aquela que brigou com a Ticketmaster), o dia de venda especial acabou com todos ingressos. Mais uma vez, existe a exclusão dos que não possuem seu nome e CPF ligados à uma grande corporação. E aí no dia do show, mais cambistas, mais preços abusivos.

Mas o problema maior nem é esse.
Para grandes espetáculos, é necessário uma infra estrutura que funcione.
O festival de Farrel será realizado no Jockey Club de São Paulo. Palco de outros eventos (liquidações de lojas burguesas e shows eco-chatos). Palco iluminado, vestido de dourado pelas ruas a bailar. Mas quem já passou de madrugada pela entradas do local sabe que a avenida é mal iluminada, o trânsito na ponte próxima é um caos sem fim. Sem mencionar os problemas de segurança que a cidade sofre nas cercanias do local. Nem com muito João de Santo Cristo. 

A infra-estrututa para chegar e sair é falha. Isso sem falar sobre certos taxistas (que sujam uma profissão digna e honesta), que cobram enormidades de dinheiro (muitos deles não tem máquinas da Cielo).
E o pior, nem a bala de troco você recebe.
A estrutura de escoamento e de chegada das pessoas nesses grandes eventos são problemas que não são resolvidos e nunca tem uma saída plausível para a população. Transporte público insuficiente, perrengues com cambistas e com a própria infra estrutura do local. Os banheiros repletos de merda até as paredes em Itu o ano passado que o digam.
Acontece muita pompa e elogios, mas resoluções práticas nunca.

E é sempre a mesma coisa. Todo mundo estuprado de maneira medieval, mas feliz. Afinal de contas a Hatori Hanzo não vem com Bruce Willys, mas sim com as bandas.

Por isso não me anima esse tal de Lolla aqui no Brasil. É necessário que se mude toda essa estrutura que exclui uma maioria. Não só pessoas da cidade de São Paulo, mas sim de todos os lugares que correm para cá. Não adianta fazer mega festivais onde o antes é marcado por privilégios para uma pequena parte da população. Esperar três horas na internet por um ingresso é pior do que duas horas de fila ao sol.

Não adianta nada trazer as melhores bandas, se todo mundo não tem o mesmo direito de ve-las. Essa indústria (corroborada por todos), tem que mudar drasticamente a maneira como trata o consumidor. Usar pessoas como lixo ou gado não é apagado pela presença de Dave Grohl.

E aí o que você prefere:
Uma bala de troco ou suas pregas anais de volta?????

Eu sou o anti-cristo, eu sou um anarquista....