26 de agosto de 2011


Existem duas escalas Kelvin pelo metrô de São Paulo
O botão apagado na máquina de livros que descansava encostada no marfim musgo das paredes, cuspia a de cinco. Maldita regurgitação ácida das tintas que formavam o rosto da garça. Esquia, faceira e com as duas pernas estilhaçando o buraco por onde se colocam as notas.
As máquinas já começavam ganhando pequenas batalhas. Linhas azuis separam esquerda e direita, canhoto e destro, pelos pedaços do corredor em túnel. Os sons em passagem de passos, sapatarias vivas em céu semi aberto nas filas de bilhetes. São rápidos, ouvintes e leitores. Alcançando por entre o separatismo do anonimato, passagens de tempo durante o dia.


Uma curva pede passagem, mais linhas azuis, sinais e entradas. A poluição que circula em silêncio por entre os trilhos, percorre camuflada os espaços onde o ar parece um bloco espesso.
Em duas estações, dois Kelvins pediam trocados. Separados por linhas coloridas, o mesmo texto. Como mágica, ilusão literária com tragédias humanas de uma mesma pessoa.
Separadas por mais e mais buracos.
Mais e mais espaços azedos que segregam. Uma vida que circula como anilina de contraste dentro das artérias.
Rápida e repletas de personagens.

A história dos dois Kelvins é muito mais pluralista do que centenas de discursos humanitários.
Deveras universal.

O metrô de São Paulo tem uma aura de medicina de concreto. Fármacos que recordam como é o iniciar, o andar de novo. Fazia tempo que deixara os passos rápidos pelo banco reclinado.
Mas os tempos são outros.
O tempo que se passa embaixo da terra sempre é menor do que dentro de um carro. Mesmo dependendo da coletividade, a cidade parece mais viva, repleta de cores em variadas tensões de cinza. Recoberto das mudanças de cabelos dos meninos e as formas em alquimia das meninas. Circular na junção verídica da interação por entre os canos de descanso e os bancos assimétricos.
Ocupados por estranhos rostos que não sabem mais o que fazer quando existe a interação humana.
Um retirar-se do banco é quase assalto perigoso. O giro em espiral do mundo está fazendo as pessoas não mais saberem o que são boas maneiras.
Não porque não fazem, mas não sabem o que fazer quando recebem.

As paralelas amarelas da escada uperizam o andar. Por mais que os graus de separação tenham mais graduações, sempre existe a osmose endoesquelética entre pedaços de asfalto e seu sangue.

Por isso talvez a genética tenha separado-se em mais de duas espécies. Pois notas são pequenos receptáculos de elétrons vivos. Como os mesmos desarranjos moleculares dos passantes dentro dos trens do metrô.
A música reside em corpos.
Nos dois Kelvins, dentro das linhas.


Sandy Gilfillan parece entender essa métrica muito bem. Seu projeto Yes Know tem muito mais do que o clima de Pasadena. Talvez por isso coloque em um dupla de canções como Dynamics e These Waiting Days passos, vozes e exclamações. São pedaços de uma genética mãe tão igualmente assustadora, quanto de amálgama. A possiblidade de disseminar idéias, é uma profundidade muito maior do que processa nossos cérebros trancafiados em cento e quarenta caracteres. Por isso não pode-se jamais separar a alma das notas, as idéias da fala que dissemina. A banda de um homem-só, pode parecer demasiadamente amadora e de tatilidade fútil, como se fosse apenas mais uma canção perdida dentro das catracas ou um pensamento afogado em links.

Elas não são apenas melodias odiosas ou não. São semelhantes deambulações dentro de um mundo cada vez mais apático e distante. Camadas importantes de guitarras transcendentes, por onde uma onda arremessa um levante enuviado. Por mais que o disco de estréia Place, seja repleto do saudosismo das velhas fitas demo, não existe negação ao simples fato que são composições de lisergia igualada matematicamente à beleza.
Sem a pretensão do catedrático.

Como em toda vida, ocorre esgotamento, por exemplo na canção Somehow Together. Mas não existe espaço para que os problemas apodreçam o andar. O passo é em frente, por detalhes de percepção que jamais poderão ser os mesmos no encontro seguinte. Se podemos traficar conceitos, porque não deixar que as idéias voltem a nos mostrar o quanto a genética humana precisa delas.

As músicas da Yes Know conseguem captar bem a lentidão de cada respiração, que oxigena nossos tecidos.
Ouça Place, a demo-estréia.