4 de outubro de 2011


A extinta casa noturna chamada Black Moon era um trombo negro cintilado em gás neon arroxeado dentro da artéria principal da avenida Santo Amaro. Próximo ao bairro de classe média alta (quando essa expressão ainda tinha validade por essas bandas) Chácara Santo Antônio. Como todo local onde os pequenos burgueses amontoam-se em condôminios de luxo ou casas suntuosas, existe uma falsa noção de separação entre o ser humano. Não existia nenhum puteiro dentro do bairro, mas a avenida que fazia ligação por entre a cidade era repleta deles. Black Panter, Brasileirinhas, Casa Brasil e outros nomes. Todos longe dos alcance dos olhos das senhores cheirando à colônia de panfletos, que frequentavam a paróquia municipal localizada na Rua Alexandre Dumas.


Os únicos minutos possíveis do encontro entre carolas frígidas e deusas do sexo pago, eram aqueles onde as meninas de vida difícil passavam pela porta católica. Ainda assim escondidas por entre coletivos e táxis que as transportavam.
Essa geografia dos arrebaldes é apenas vistas em bairros ditos nobres, pois em locais mais próximos ao subúrbio, as zonas do meretrício alto permanecem encravadas nas vias internas. Não é incomum ver algumas dessas casas na zona sul de São Paulo dividindo espaço com padarias, casa de material para contrução e outro tipo de comércio, quando não imóveis que abrigam habitantes.

Quimera do destino que considera a prostituição a mais antiga das profissões. A escravatura na época do Império também era, afinal de contas os seres humanos vindos em negreiros campos de concentração europeus, trabalhavam para senhores de engenho em uma antiga versão das numerações nobres. As capitanias hereditárias eram os nossos antigos bairros chiques.


Moema é o melhor exemplo dessa separação sexual.
Mesmo com a economia do bairro alavancada pelo dinheiro das garotas de programas em seus flats familiares, a grande casa de prostituição fica no extremo da vizinhança, próxima à Avenida dos Bandeirantes. Local aliás, onde suas habilidades na sinuca podem ser recompensadas com uma noite ardente de prazeres inenarráveis.
O problema é você conseguir ganhar.
A casa em alegoria de libertação sexual chamada Marrakesh, é dentro do coração do bairro. Ou seja, as meninas escravas ficam nos arrebaldes, mas a casa onde a classe alta encontra-se para deixar sua mulher ser enrabada por um desconhecido fica cravada dentro do bairro.

E veja lá meu libidinoso leitor, não estou aqui julgando quem faz o que, apenas aponto uma senhora hipocrisia na geografia da cidade.

Como em um cassino hollywoodiano, puteiros foram feitos para que você gaste muito e mesmo com a promessa da melhor gozada de sua vida, seu hipotálamo entra em mesma equação de qualquer outro vício. Do mesmo jeito que ao comprar drogas na boca de fumo, você corrobora com o tráfico, quando paga uma prostituta em alguns desses locais (cravados em suor masculino e cocaína por todas as paredes), você ajuda o que se chama trabalho escravo.


Pausa...

Já eram alguns minutos passados das quatro horas da manhã. O frio incandescente que subia pelas veias entupidas de alguma mistura fixa em querosene e pasta de cocaína em pó, já não era o maior problema. Com o telencéfalo em banho maria alcoólico e as narinas clamando por mais uma carreira, a diversão ainda era a maior surpresa que se poderia ter naquela madrugada sabatiana. Hormônios desordenados cavalgando pelas sinapses, a educação patriarcal e machista apenas poderia supor um local onde encontrar tudo o que se queria. Nesse caso, mais pó e vaginas.

Entrar em um puteiro é uma situação complicada, ainda mais quando se está louco de dar nó. Uma leve cafungada no cd antes de entrar deixa seu corpo em ponto de bala. O cigarro acalma a paranóia de passar pelos seguranças quase tão grandes quando as torres gêmeas. Mas existem ainda os olhares desafiantes dos que já estão lá.
Mesmo com a certeza que seu pau jamais terá uma ereção, os outros homens que estão lá dentro não sabem. Para eles, você é apenas mais um mal amado e bêbado que procura a melhor mulher dentro do local.
Alguém com mais dinheiro.
E dentro de uma zona o que conta meu camarada é a sua grana.

Criolo está errado.
Não é em São Paulo que inexiste amor, mas sim dentro das alcovas recobertas em mulheres atenienses às avessas. Não há carinho real, é tudo tão vazio quanto sua página do twitter ou perfil de orkut. Um aglomerado de perdidos alcoólatras venerando uma mulher exibida nua nos altares cravados em vidraçaria barata. São as alças das calcinhas cheirando ao suor de trabalho pesado. São operárias que jamais terão seus direitos reclamados. Elas aguentam a maior de todas as agruras. Noite após noite são elas que sofrem as consequências de uma educação machista que corroeu as entranhas do país. Que criou estupradores e violentos pais de família. Homens perdidos dentro de sua outrora masculinidade perdida.
Um exército fálico de genes impotentes.

Mas o problema do momento era conseguir mais algumas gramas de cocaína. Dentro das casas, mesmo com a carranca venusiana dos cafetões e seguranças, achar drogas é muito mais fácil do que em alguma favela naquela hora. As meninas usam para manter-se acordadas e para anestesiarem a alma. Ganham mais dinheiro para o senhor de engenho e esquecem por momentos a fétida nuance dos clientes. Elas jogam amororosmente, rebolam e passam as mãos pelo seu tórax. Clamam sua masculinidade infértil e carinham seu mole estômago protumberante. São deusas, valquírias em lava que deixam seu cérebro em parafuso. Mamíferos arredios e feromônios exalados pelas doses cavalares de uísque.
Luzes, aromas e nádegas.

A ansiedade é tamanha que entrar no banheiro torna-se primordial e indispensável para a ranzinice não tome conta. Apertado e com água saindo pelas torneiras incessantemente. A privada é recorberta de algumas manchas de merda e vômito. O cheiro é tão ardido que penetra pelo nariz acelerado. Alguns segundos de ânsia são controlados pelo músculo diafragma. Não existe espaço para estender a cocaína no mármore da privada. Usa-se a mão como tabaqueira anatômica e mais uma vez a nota de cinquenta reais que sobrou no bolso toma a forma de canhão navaronesco. Inspira-se fundo o monte branco. Pronto novamente é hora da caçada por mais drogas.

O tiro no peito feito no banheiro dá a coragem necessária para que se interpele a primeira menina. Chamando você de gato, recebe como resposta a única coisa que interessa:
"Você tem pó?".

Logo na primeira, uma resposta afirmativa. O cartão de crédito vai dar conta da entrada no quarto para que se possa fazer a transação comercial sem corpo. Uma escada apertada e o corredor sem luz fazem o coração disparar pela boca afora. Não existe excitação peniana, apenas a vontade de colocar dentro do nariz mais do pirlimpimpim. O vômito da classe trabalhadora embebido em falsos programas. Já dentro do quarto ela pede uma carreira, pois ainda precisa trabalhar pelo menos mais duas horas. A casa já roubou pelo menos duzentos reais e como o cafetão fica com sessenta por cento do programa, era necessário fazer valer o dia.

Com mais vinte minutos ainda, a conversa acaba tornando-se mais fácil. Para não morder-se é melhor falar. Mas um puteiro não é divertido, não existem piadas. Apenas o desabafo de uma escrava mulata branca causasiana negra índia. Uma mulher que usa seu corpo para poder sair do descaso do estado. Não tem coragem de roubar e mendigar não coloca comida na mesa dos filhos. A cocaína ajuda a passar o tempo e o dinheiro compra o leite. Guerreiras de mangás onde os vilões são a violência, o vício e a aids.
Acaba o tempo, acaba a ilusão de amizade, acaba a noite. Voltar para a sacada de seu apartamento e cheirar a última carreira na mesa da sala assistindo aos Três Patetas, é porto seguro. Deixa-se para trás a história, a realidade. Deita-se empedrado em uma cama de ilusão, onde apenas vai acordar-se no dia seguinte com alguns resquícios da matrix no seu nariz.

Volta...


E aí que você assiste à reportagens das televisões sobre as apreensões de puteiros ou cafetinas que são interpeladas por repórteres que não sabem nem ao menos seduzir uma prostituta. Colocam jornalistas com caras de bom moços católicos e esperam apenas que sua face horrorizada com a situação digam mazelas aguadas e pleonasmos de uma sociedade hipócrita. Missionários de araque, travestidos em denúncias regurgitadas. Não existe alguma novidade nesse tipo de reportagem e a falácea é tão pasmacenta que por muitas vezes o vômito é inegável.

Deve-se sim prender esses senhores de engenho modernos e suas casas noturnas onde cada mulher é tratada como o melhor pedaço de carne em um açouque emocional de terceira categoria. Mas não se pode fechar os olhos para a hipocrisia que esse tipo de atitude possui. Retira-se as prostitutas das zonas e as colocam na rua. Um lugar atualmente muito mais perigoso que os confortáveis sofás comprados em iguais prestações em alguma loja de departamentos populares. Tiram-se as prostitutas do frio cortante de uma boate e as deslocam para o sereno de um inverno nuclear. Nas ruas elas escondem-se por entre postes de iluminação quebrados e por debaixo das árvores. Na rua elas não aparecem nas telas e nas casas dos telespectadores. Nas ruas elas não darão tanto ibope quanto em uma casa de prostituição. O que não vê o coração hipócrita da família machista brasileira, não sente.

Se por algum minuto sequer o poder público quisesse realmente ajudar essas meninas, prenderiam seus cafetões, mas não fechariam as portas das casas. Colocariam o controle de tudo nas mãos das prostitutas. Trasformariam as casas do baixo meretrício em cooperativas, locais onde existisse a possibilidade na mudança do quadro de desamor e dissabor da vida que elas possuem. Criariam-se condições com programas sérios, dessas mulheres transcenderem a exposição do corpo. Aprenderiam, estudariam e criariam condições para mudar a situação. Por que a prostituição não é o site recheado de mulheres televisivas ou capas de revistas masculinas. A putaria é muito mais doída do que imagina a sua vã glande filosofal espermática.

Elas são antes de mais nada trabalhadoras e seres humanos que buscam saídas de sustento dentro da realidade em que vivem. Obviamente existem as meninas que gostam muito do que fazem, também operárias do mesmo jeito. Merecem a mesma quantidade de cuidados daquelas que usam a prostituição como saída da miséria. Fechar casa de prostituição como campanha política televisiva é tão fétido quanto ser o cafetão. Não ajuda em nada as pessoas mais afetadas negativamente com isso tudo, que são as próprias meninas.


 Mas não interessa a ninguém ajudar essas mulheres. Nunca interessou a sociedade brasileira ajudar essas mulheres. Elas são usadas apenas como desculpa para um sensacionalismo barato e matérias jornalísticas dentro do canal de um pastor nadando em acusações de desvios de dinheiro.

Fechem os puteiros, mas criem condições para que as meninas possam transcender a condição desumana em que vivem. Acabem com a educação machista dentro do país, façam valer a lei que supostamente protege a mulher dentro do Brasil, mas não evita que a cada semana uma nova vítima seja feita. Uma nova mulher seja estuprada ou desapareça por entre a violência peniana da educação machista propagada pelo país afora. O apoio ao projeto iniciado pela Rede Brasileira de Prostitutas deve ser apenas o começo.
Fortalecer a categoria como uma profissão, é apenas uma pequena marcha na redescoberta da humanidade que a sociedade nega à essas meninas e profissionais. As associações que cuidam dos interesses delas como por exemplo Davida e Fio da Alma (RJ); Vitória-Régia (SP); Gapa-MG; NEP (RS); Grupo Liberdade (PR); Aprosvi (SC); Projeto Encontros (MS); Gempac (PA); Ampap (AP); APPS (PE); ASP (SE); Aprosba (BA), devem ser divulgadas e recobertas de cuidados para que possam fazer seu trabalho.

Não adianta nada marginalizar as profissionais, deve-se exterminar os escravocratas de engenho dos prostíbulos.

Enquanto a briga mais atuante dentro do país hoje é a meia entrada na Copa do Mundo, nega-se a passagem para essas pessoas que precisam usar o próprio corpo para mudar seu destino e em sua maioria são marginalizadas pela sociedade dita educada e cristã. 

A mesma nascida pelas mãos da educação que transformou Puteiro Em João Pessoa em clássico do ritual de passagem e colocou um comediante sem o menor talento, chamado Rafael Bastos como pessoa influente dentro do nosso mundo. A mesma educação que permite um pastor de igreja assediar sexualmente suas fiéis. Essa mesma educação que serve de escudo aos novos nazistas e xenofóbicos, porque afinal de contas todo homossexual tem a alma feminina muito mais aflorada dentro de seu corpo.

Já está mais do que na hora de jogarmos essa merda toda de volta na cara dessa educação. Vivemos dentro de uma sociedade escravagista vaginária ainda, onde os homens destilam seu esperma podre por entre o asco. Isso tem que acabar, nem que seja através de uma valquíria vingadora repleta de espadas afiadas, decepando cabeças e esfolando orgãos genitais masculinos.

Eu sou o anti-cristo, eu sou um anarquista.