18 de fevereiro de 2014

O cinismo do câncer...

É preciso deixar as narinas abertas, necessário desobstruir os ouvidos,
para deixar o caminho livre à boca, que aberta e vazia deve permanecer.
Escarra-se a faringe sem fim, até formar-se um vácuo imaculado, 
oferecendo-se vias de límpido caminho, 
uma através dos canais nasais, outro através da cavidade oral,
semiseca semiúmida sensitiva deslizante.
Por fim expanda-se os pulmões até o rebentar dos bronquíolos,
como se mortalmente vivessem em tesão constante.
Abram o caminho livre, hastes de mão única jamais deverão bloquear as passagens.
Abertos orifícios que transbordem a liberdade do ar único, vazio e completo,
espaços necessários para que o corpo humano se complete.

Deixem então serem preenchidos com a merda depositada em todas as esquinas,
principalmente nos quarteirões da Rua do Carvalho, torto vento curva-se em mazelas,
lugar onde beatas horrorizadas com a os cachimbos de crack e cola inalam cinismo.
Entupam-se com os restos de lixo depositados em toda extensão da Rua Barra Funda,
o funil onde a linha de trem escalda a alma em acordes graves de oitava,
calçamento esparso e oco, os pés se torcem e caem através de orifícios,
deixe-os então perpetuarem o encher esses buracos de corpo com as mandingas
espalhadas em cercados nas árvores testemunhas da crença,
banquetes pelos quais os mendigos batalham e o vencedor come.
Preencham seus vastos espaços ocos com a fiação espalhada na Rua General Osório,
anastomoses simbióticas das intempéries do tempo, escravizando galhos podres,
contorcendo-se aos montes envolvidos pelo ar que circula como soldado perdido,
vagando através dos bastonetes de cocaína espalhados no meio fio.
Satisfaçam seus entremeios vazios com os ratos vagando em plena luz do dia,
correndo através das esquinas, enfiados na densa mata de espinhos e leite venenoso,
que defendem as entradas dos condomínios, pobres espinhos descabidos de razão,
oferecem seu corpo à esmo e ao prazer de quem os poda, como os seres humanos,
que cortam-se em público esperando o esparso aplauso claudicante a sorrir com sangue.
Penetrem-se com a fuligem estampada nas colunas de concreto,
a enveredar à geografia da Rua das Palmeiras, pisoteada por todo o dia,
escarrada em sua face sem o menor perdão, muitas vezes usada como banheiro,
os montes de merda humana acalentam uma singularidade com todos
a transitar com suas roupas de domingo na segunda feira.

[a única ligação entre eles é essa prova de intestino mútuo]

Chegada a hora de abrir os poros para que essa poeira seja íntima dos genes,
já é tempo de untar-se com estas cinzas cinza que escorrem pela argamassa,
rodeiam as gramíneas da Praça Marechal Deodoro, ratificando o cheiro de esgoto.
Amem as passagens da fétida água que escorre dos edifícios em Higienópolis,
como se os Campos Elíseos e Bom Retiro fossem latrinas,
amando sua porção de lixo corporal humano, onde as crianças jogam bola,
moradores de rua lavam as mãos, retirando a fuligem que deveria ser matriz.
A água escorrendo pelas pernas da classe alta, misturando-se à urina, e,
aos restos de merda, sobram como alento aos que não tem nada potável,
onde esquentar sua pasta grano duro em desatino de destino.
Pois então, banhem-se nessas águas, como se assim quisesse a mãe d’água,
prostituta da moral e bons costumes como toda a mãe que se preze,
emasculando seus filhos até o ponto onde não exista mais alma,
desejando o sucesso até não sobrar mais nada do sorriso e da vida.
Banhem-se nesses restos da condição humana que escapa aos olhos, por debaixo da Rua Apa,
morada sagrada de latas e seus furos,
pedaços de pedras em forma de avião,
transeuntes embalsamados deixando um rastro de fadiga,
que percorrem os bares na rua Adolfo Gordo,
lar dos solitários, jogadores de dominó sem iguais pares,
jogando apenas peças ímpares,
formando duplas improváveis ao som do álcool que não cicatriza a ferida,
a ferida dessa maldita vida que se leva com seus poros fechados.

Por isso abram seus decantados espaços celulares
e absorvam os olhares de desprezo na descida da Rua Albuquerque Lins,
onde pessoas de bem julgam, condenam e promovem a pena hereditária,
pois julgam suas raízes com olhares condescendentes de desprezo,
como se a superioridade vivesse através das órbitas oculares,
como se a pele humana pudesse catapultar o escarro e os transformar em monstros,
como se usassem máscaras de gás, bloqueando a troca de átomos da respiração,
esse desprezo, oculto na erudição dos intelectuais que babam as canções,
em seus auscultores binários de sonoridades mortas antes do Pós Modernismo.

Tudo isso deve ser cada vez mais engolido, deglutido
e armazenado nas perfurações,
servir como cimento corrido nas frações vazias de sua cadeia genética,
esse desprezo é o resto do que um dia chamou-se compaixão, e,
compaixão só existe aos cachorros e suas coleiras que apitam quando latem.

Por isso é chegado o momento de saciar-se desse mal,
comê-lo como se fosse último,
experimentá-lo da mais fina forma em flor em um dos restaurantes da Rua Sergipe,
servindo-se dele em quantidades astronômicas, sem nenhum resquício de dúvida,
assumir em nossa cadeia genética de uma vez por todas,
a essência em ser a sujeira e a merda, a fuligem, o cinza e o esgoto, o desprezo, o sarcasmo,
a completa falta de compaixão e o desamor.

Nunca mais preencham seus vazios tão bem construídos ao longo da vida,
com a cega holística,
tão perversa e mentirosa quanto o cristianismo,
tão suja e ladra quanto os patrões evangélicos arrotando uma salvação,
que só faz sentido pela completa cegueira do homem sem lógica,
agarrando-se na promessa de uma salvação que preencherá seu vazio em ser.
Ledo engano quando se entende que o lixo do existir em uma jaula de concreto vertical,
é o deus que salvará sua alma de todas as torpes tentativas de elevação, e ,
não existe salvação quando a natureza comete um erro tão grande chamado humanidade.

Por isso é de primordial afeto entender,
que a saída dentro dessas ruas,
é afundar-se na transgressão do lixo...