19 de fevereiro de 2014

Pois o espaço entre as pernas em estática permanecera, 
não existia movimento com elevações agonizantes,
daquelas que sempre dão vista em pessoas mais velhas com aquela estrutura,
ele porém se manteve tão estático, que,
em qualquer momento poderia acontecer de soltar pelas faringes badaladas,
como um relógio de eficaz precisão.

Residia em sua cabeça uma curvatura anatomicamente precisa,
formada na sua grande maioria pelos rebordos de uma francesa boina, 
escavando tentáculos anastomoses,
cercando o córtex,
deixando para trás qualquer tentativa de lembrança,
algum desgaste mórbido de memória,
que Adolfo possa ter.

Dona de sua cabeça,
com a falta de piedade que sempre apresentam em seus dentes,
aqueles que oprimem,
a boina repousava dona de si mesma e do homem,
nas curvas exatas como uma equação quântica de biofísica atômica, 
entretanto ele não parecia importar-se,
entretido estava envolto nos enlaces de páginas,
onde aviões e siglas se compadeciam de seu enclausurar forçado capilar,
folheando como se suas mãos fossem ávidas turbinas, 
como se seus olhos fossem trovoadas em tormentas,
retinas de cúmulos nimbos,
ninfas mecânicas com asas e rotores,
queimadores de mentirosos e seus caminhos de cinzas,
“she’ll came back as fire to burn all the liars, leaving a blanket of ashes on the ground”.

Mas Adolfo não se importa,
quer apenas continuar sua veloz antecipação,
do que está por vir nas próximas onze páginas,
pensando em como os manches devem ser macios,
a cabine pressurizada quente e aconchegante,
um útero de segurança que a qualquer momento pode cair,
as mãos rápidas,
os olhos tenebrosos em não acompanhar seus dedos,
a matemática inexata do folhear,
para trás e para frente,
para frente e para trás,
para o meio e para frente,
para frente e para o meio, e,
para trás de novo.

Adolfo enfim abre as ranhuras,
os panfletos onde pode se ver, Dubai,
Aerolineas Argentinas, Israel, África do Sul, Egito, Grécia, Lufthansa,
elefantes, safári, espingardas, homens em couro areia,
e não existe sequer tremor em suas mãos,
está ele armando sua redenção em forma de viagem,
provará aos que sempre o viram como apenas um homem de meias compridas, finas
e de sapatos pretos ligeiramente gastos em sua porção valga,
aquilo tudo que em sua mente sempre foi uma tônica acelerada,
ele poderia voar no exato momento em que quisesse,
na exata hora em que seus pensamentos exacerbados pelo aço do metrô,
lhe dessem o necessário impulso ao que se chama de voo livre,
lá iria Adolfo,
aos céus sem parada obrigatória,
sem estação de repouso,
sem pouso de emergência,
apenas ele e sua redenção de asas em direção à Ásia,
o rei do ar,
o monarca de todas as aves, e,
enquanto seus panfletos das companhias de viagens,
suas brochuras com aviões e pontos turísticos,
estivessem por dentro de cada centímetro de dna exalado em sua pele solta, 
ele chamais seria um idiota.
“But I’m having fun, I think I’m dumb, maybe just happy”.

Mas Adolfo sabe que possivelmente,
ele esquecerá tudo isso no momento em que descer do trem,
suas lembranças soarão apenas como agudas oitavas abaixo,
sem ressonância dentro de seu córtex,
terá dificuldade de lembrar-se onde está,
como chegou e quem é,
menos aflito por perceber que seus passos foram apagados por ele mesmo,
mais por não saber como recuperar a trilha de sua memória,
quando então se dá conta disso tudo,
não mais abre fecha abre fecha folheia passeia pelas folhas,
arruma exatamente usando medidas de tamanho,
cor e espessura,
suas rasuras de vida com páginas, 
coloca-as de maneira educada e gentil dentro de sua mala preta,
recoberta de zíperes, fechos e alças desesperadas,
onde cada objeto tem sua posição confortável e solitária,
como corpos em coma acordados para o banho de sol,
sem nenhuma testemunha que lhes diga,
o quanto importantes elas são.

Assim gélidas em seus caixões,
Adolfo coloca todo seu material na maleta,
recorre ao seu suco alaranjado de fitas VHS,
armazenado em uma pequena garrafa de plástico,
com seu rótulo alcaguete,
revelando que o suco laranja não é definitivamente parente próximo, 
afinal de contas sua etiqueta é roxa,
Adolfo toma-o sem pressa dessa vez,
o fecha,
espera,
acorrenta as últimas tentativas de entender onde está realmente,
pede clemência com o olhar que agora contém um óculos caçador escuros,
e levanta-se na Estação Carandiru.

As portas abrem-se,
ele sai,
retoma seu raciocínio ou o que restou dele,
repensa em todas as formas de voar,
toma distância,
arremete uma corrida sem freios,
rápida como suas mãos em seus folhetos de viagens,
voa
voa voa
voa voa voa
voa voa voa voa
voa voa,
voa...

Ganha sua redenção da Estação Carandiru, e,
se lembra por alguns momentos,
durante suas crises de esquecimento,
o quanto sente falta de sentir-se triste,
menos porque é dono de uma ímpar depressão,
mais porque realmente não consegue lembrar-se.

Porém Adolfo sempre terá os panfletos e a lembrança da tristeza.
“I miss the confort in being sad”.

( Dumb e Frances Farmer Will Have Her Revenge On Seattle – Nirvana)