12 de outubro de 2018

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Resistência

isso hoje não é uma mudança, é algo maior algo que vai demorar um pouco para que possamos assimilar
pois não é algo novo
é algo que germinava em sombras
estruturado, fortemente armado e não sente dor, muito menos sangra
escondido enquanto vivíamos por demais afundados no
nosso próprio reflexo

em telas, em sacadas, em selfies, em algoritmos
admirados como animais que descobrem sua imagem em espelhos
admirados como primatas que descobrem um monolito
admirados como nossos braços erguidos eram retransmitidos
nas paredes de concessionárias milionárias
enquanto uma Onda de ignorância gritava:

“Não tem partido”

admirados pela nossa própria grandeza meritocrática d’um capital crack
germinava enquanto as dores de outras décadas eram varridas
embaixo de nossas peles
como se quisessem remediar uma ferida abrindo outra
a história não discutida e não enterrada

fardas cambaleantes embalsamadas ao centro nos idos dos anos oitenta
centros cambaleantes embalsamados ao parágrafo d’uma constituição
esquerdas embalsamadas ao centro nos idos da virada do século
século, cíngulo cego

nós, cambaleantes em nosso próprio reflexo n’uma tela binária
deixando a alma escapar, deixando a história escapar
deixando a consciência escapar
anestesia em trocas de mensagens, correntes de oração, pastores
cristãos fervorosos abençoados por padres pedófilos

a grande família brasileira
a grande matilha brasileira
a grande escotilha brasileira
a grande escória brasileira

alimentada por dados, zeros e uns, pela esperança que um dia milionária seria
a esperança em manter todas as suas vantagens
enquanto varriam-se os moradores de rua com jato d’água
a história escondida e enterrada em epidermes meritocráticas
a falsidade neo liberal reduzida aos conceitos mais imbecilizados
como se aqui houvesse comunismo legislativo em andamento

ódio germinado em silêncio
as verdades cartesianas afastando-se dos corações
que por conta da seletividade n’um discurso justiceiro
regurgitava o eco psicótico alumiando um terremoto

o palavrear simplório d’um entusiasta de torturadores sorrindo ao genocídio
enquanto longos textos falsos inalados exaustivamente
a imposta desimportância nas distâncias percorridas nos sonhos
carregam agora rumos armados ao ponto onde a única saída são rachaduras
lugares onde habitam neuroses palpáveis
o desespero do poderia em raiva de infinitos jamais

mentiras disseminadas, alongadas e diárias
manipulação de imagens
manipulação de áudios
manipulação de discurso
manipulação de verdades
manipulação de mães, pais e irmãos
manipulação de religião
o viver em curvas dimensionais de programação
estopim da estupidez aceso

não estamos mais n’um terreno sentido com os pés
n’um chão não estamos mais
estamos n’uma nuvem de dados alterados
elevados como bonecos de titereiro
enquanto canivetes marcam suásticas em peles de mulheres
enquanto negros são mortos por debates
enquanto um Mestre agoniza, sangra em praça pública
enquanto a isenção do voto crítico lava as mãos
enquanto a isenção do voto contra a corrupção enxagua a barbárie
enquanto a isenção do voto mantém meritocratástrofes na Casa Grande
enquanto a isenção do voto crítico alonga a era das Senzalas

a realidade agora são transmissões em grupos familiares
ao mesmo tempo onde planos de imensuráveis mentiras
são jogados aos cães espumando no canto da boca
pedaços de carne crua a saciar o ódio dormente
acordado por um falso Messias

Jesus jamais foi um salva vidas atarefado sentado esperando o afogamento
distante apenas das fantasmagóricas ideologias de seus filhos e filhas
que em nome da fé apertam as mãos do Diabo
escrevem por entre hematomas digressões em seus aplicativos de mensagens
esperam o sangue a escorrer das feridas feitas por neonazistas desaparecer
n’um psicodélico décimo primeiro mandamento
cegueira permitida em nome d’um futuro seguro aos seus netos
nos latifúndios

enquanto isso nós vamos resistir
enquanto a espuma escorre em seus dentes
nós vamos resistir
enquanto suas mentiras disseminadas ficam escondidas
nos vamos resistir
enquanto seus rostos estiverem por trás dessa máscara de tradicionalismo
nós vamos resistir
enquanto suas hipocrisias cristãs aceitam a violência
nós vamos resistir
e quando a chibata chegar em suas costas
nós vamos resistir

Nós vamos resistir
Nós vamos existir
Nós vamos resistir!