A vida patética
cede então o óleo
máquina engrenada de cartilagem
dores metatársicas
enquanto o inverno a enveredar-se está
adolescência de meia idade
morte aproxima-se
em ódio & cotidiano
entre uma pontada e outra
entre oc chilo morno
ao redor dos acessos d'raiva
[PAUSA DRAMÁTICA
Deus confidenciou
A Morte virá como câncer
nem bela & certeira - flechada de dinamite
nem permanência corpórea máxima de quarenta e oito horas
nem posterior ao acordar encefálico
serenar essa agonia chamada vida
Não será assim...
Será horrendo
a soar em praça pública
Odes de Destruição Tecidual
chegará remanso
em pontadas na garganta
como as de hoje
tornará a faringe líquida
envolta pela cricoide
forçará me do ao resto da voz metálica
n'uma janela exposta
na traqueia
Descerá ao esôfago
abrirá a Terra em ácido
derreterá girassóis & piloro
enquanto restos intestinais nadam em suco gástrico
Ironia é renegar Deus tanto tempo
e ele mesmo -carne, osso & cinismo-
dar a notícia
Tomará os ossos
dissolverá as sobras
largará esquálido
rebotalho d'um antigo selfie
não será bonito
não será elevado
muito menos heroico
Disse Deus com todas as letras, que será podre!
Assim será permitida memória da vida
(enquanto dores privam o sono,
enquanto nem mais morfina terá utilidade
enquanto toda respiração será martírio)
o quanto de fétido és neste mundo
quanta escrotidão disseminada
quanta morte d'alma plantada
quanta asquerosidade espalhada
No mesmo tempo em que o rabo desprende-se na parede intestinal
pensará sobre o caminho de rancor deixado
sobre a estrada de decepções construídas por anos e anos
Enquanto os olhos dos pais enterram o filho mais velho
Pulmões empedrados de metástases
respiram as últimas insatisfações
Deus confidenciou tudo
aos olhos fechados sozinhos no sofá
cada pedaço sente o horror espalhado pela Terra
queimar
em toda mordida dos tumores...
... Deus ainda disse que era pouco...
Agora o teto ficou mais baixo
a solidão mais viva
o corpo mais dolorido
a garganta seca
ao mesmo tempo que as folhagens tilintam lá fora
se pensa depois de hoje, por todos os dias ao acordar:
- Será hoje o dia de minha Morte?