21 de maio de 2011

Fotos: um sacripanta.


Quando o número em branco plácido mudou sua marca de 14:30 para 31, faltavam horas ainda para que religiosos pedófilos de plantão regurgitassem todas as suas profecias. O mundo ruiria aos poucos, na forma de trovadores clarões de ira divina. Mulheres e homens não marcados com a estrela bóia sucumbiriam.

Mas ela estava em paz consigo mesma. Estava na rua, nua de laços, exposta em alma e lava uterina com milhares de pessoas que seguiam um Moisés imaginário. Peregrinos que não pediam a liberação do torpe, mas sim clamavam uma voz. Uma possibilidade de falar, não gritar. Talvez até gritar, mas não pelo ódio cego que invade as televisões com seus reality shows cheios de pretensos condutores de moral.

Um grito rouco, pedindo pela chance do debate, da discussão que evolui.
Afinal de contas, ela pensava convicta, já ouvimos tantos gritos de tortura e eletricidade mórbida, que finalmente uma voz na direção de algo maior, seria uma das coisas mais bonitas que já teria visto.

Tiqueteando, tiquetaquear.
Mais uma volta e os número do relógio marcavam outros segundos. Ela ouvia conversas sobre cartazes com o nome da tal da erva. Eles deveriam ser retirados, pois aquele nome era tão proibido quanto a palavra assassino.
Maconha...


Ao longe ouvia-se os gritos dos que pregavam o ódio.
E para aquela menina o nome nem era tão feio assim. Mas isso não importava, afinal de contas o objetivo ali era outro. Era a voz. Não haviam mais cores, sexos ou amores. Existiam pessoas de terno e chinelo, gravata sem martelo ou cutelo. Apenas pessoas.
Brancas, negras, amarelas, azuis e verdes. Pessoas cantando, marchando pacificamente.

Os ponteiros congelam.
Já eram seis da tarde????
Seria a hora marcada para o arrebatamento dos covardes, que não veriam o apocalipse????
Ela se indaga porque o tempo parava naquele exato instante.
Sua resposta seria uma nuvem em cinza chumbo e escudos. Uma tropa bem ensaiada de passos tenebrosos. Nunca vira tamanho predador, pois isso era apenas matéria de pesadelos, ou filmes americanos republicanos. Sylvesteres longe de alguma movimentação calma. Mas a caminhada iria na direção de um nome que acalentaria, Consolação.

Seus dedos então tornaram-se nervosos, não lembrava mais das fotos que deveria ter feito antes. Afinal de contas também estava lá para educar-se e elas fariam parte dessa elevação em imagens. Mas a nuvem cinza marchava em geométrica forma, escudos ao vento e salivando repressão. O rufar dos cacetetes na pele dos escudos plásticos, apenas deixavam no ar o cheiro de gás. O mesmo gás que segundos depois invadiam seus olhos.

Um estrondo, outro. Uma bomba, outra. Mais uma explosão e o céu cobre-se de fumaça e linhas assimétricas.
Descrevem no ar o traçado geométrico do pavor. Outro estrondo, pernas em movimento de fuga. O céu desaba, o mundo prende a respiração. Não se pode arfar a clemência, pois a dor nas retinas é como mergulhar em uma piscina de brasa.
Boa hora seria para ser arrebatada, mas não acontece.

Outra bomba, lacrimejando desespero dos anos de sessenta e oito. Pernas cansadas, vozes abafadas. A nuvem cresce em violência, mesmo depois de um acordo feito por apertos de mãos trêmulas. A maresia que sobe no ar da Consolação é apenas um grito abafado e pavoroso.
Pernas marcadas, gado cercado e descontrolado. Não existem pastores, apenas cães de um estado que não acalenta, não cuida.
Reprime.

Presos, debandados, jovens sem pátria. Párias de um governo que nega a vocação da história. A de liberdade pela palavra.



Quando se oprime com a violência, não são todos que conseguem mongeanamente calar o ódio. A praça de guerra então coloriu-se com garrafas. Poucas que explodiam o desejo de libertar-se do papel de alvos. Quem apanha sempre lembra, mas quem atropela esconde-se na covardia da falta de freios.

Nesse minuto, ela já não mais sabia onde estava. São Paulo, Gaza ou em um circo. Um picadeiro onde existem piadas sem graça e humoristas sem dentes. Um local mórbido onde a repressão é a moeda de troca e onde o corpo desaba na forma de desespero.

Ela então suspira, olha o poste antigo remodelado que espera apenas o poente para funcionar. Já são quase seis horas. Os olhos cheios de gás e lágrimas escorrem o medo, rodeado de indignação. Pensa em seus heróis, eles estão mortos.
Todos estamos um pouco mais hoje.

Ao longe ouvem-se as seis badaladas. Nenhum raio, nem tsunami histórico. Mas dentro da alma do país algo morreu. Não se pode deixar a voz ser calada assim, de maneira violenta e sem razão. Impossível acreditar que compatriotas morreram pela nosso direito de protestar e debater, e novamente somos encurralados. Bombardeados com repressão e violência de uma entidade que tem em seu lema proteger.

Sim meus libertários leitores, hoje o mundo não acabou, mas nossa infância foi estuprada de maneira ímpar e sem volta. Não existe silêncio nessa política de açoite. Não existe paz onde a razão pode ser deturpada por atos violentos. Em nome da ordem.


Que ordem????

A ordem do senhor ignóbil Teodomiro Mendes, que pauta-se na possibilidade de silenciar o povo???
Na ordem de um canalhocrata chamado Capitão Benedito Del Vecchio, que aperta a mão do povo e em uma encruzilhada qualquer acende uma vela ao diabo????

A ordem do nosso covarde Governador Geraldo José Rodrigues Alckmin Filho, eleito pelo povo paulista para que proteja a cidadania.
Ele tinha obrigação (e a hombridade) de apresentar-se na Avenida Paulista, reclamando pela liberdade, pois é essa tal liberdade que garante seus votos. Esse cabresto em forma de gás lacrimogênio não é digno de quem comanda as entidades do estado (entre elas a polícia). Não precisa ser maconheiro para defender o direito do cidadão.

Um líder está ao lado de quem o elege, não em conchavos políticos que usam a repressão do povo como braço de ferro político entre ele, Serra e Kassab.
Mas a cega ignorância desses homens não conhecem as leis de Newton.


Aquela que reflete a reação contrária e de mesma intensidade contra a ação.
Não meus senhores da guerra transvestidos por ternos, fardas e motocicletas sem freio. A reação do povo tem que ser a luta. Mas não a luta covarde de quem não tem literatura, sim aquela que pregava outros libertários, como o Rei.

Martin sobre nós que marcharemos na direção da liberdade de poder discordar e se expressar. Seja pela maconha, pelos direitos dos homossexuais, contra a xenofobia e a hipocrisia.
O mundo não acabou, por entre lágrimas e panfletos estamos todos sangrando. Epidermes que queimam e florescerão novamente. No ritmo da voz que nunca poderá ser calada.

Eu sou o anticristo, eu sou um anarquista!!