24 de julho de 2011


Ontem mesmo que você morasse em algum iglu distante, no mais longínquo continente ártico, saberia sobre a morte da cantora Amy Whinehouse. Talvez a primeira partida de um artista com grande porte, nessa época onde as informações correm 140 caracteres. Não a primeira, mas provavelmente a com mais audiência. Dias antes, o pintor Lucian Freud morrera.
Não causou metade da comoção.
Não existem culpados na realidade bizarra de audiência para velórios de famosos.
Ambas são perdas inestimáveis.

Ontem lendo o texto de Marcelo Costa sobre a morte de Amy e depois relendo o de Forastieri sobre 1994, percebi que a única coisa em comum que todas elas possuem, é o simples fato serem horríveis. Não é revolução, não é renovação muito menos entrada para o mundo dos mitos. Agora são cadáveres e mais nada.
Minimalista bacteriana, mas verdade.
A morte é a única coisa que nos nivela como iguais.


E o falecimento da cantora mostra isso com todas as cores. Joga na nossa cara de maneira inquestionável nossa natureza finita dentro desse mundo. É triste, é triste e por fim, é triste. Não existe nenhum significado escondido, muito menos holística podre de bigodes corruptos. A morte da cantora é nada além de uma morte.
Fato que deprime, apenas isso.


Mas não é o que parece acontecer nesses novos tempos de paranóia matrixiniana. Germinadas opiniões que arrebatam a internet, jornais e revistas. Nascem assim paladinos da história envoltos em moral e bons costumes. Pessoas repletas de opiniões.
E como todos tem opiniões.
Isso é a premissa certa da liberdade, afinal de contas todos tem o direito a ter uma. Não vem ao caso discutir quem tem mais razão ou não.
Mas a outra face dessa moeda de catacumba, é a falsa moralidade e a incapacidade em informar de certos formadores de opinião. Não mais espanta a morte, mas sim as palavras de quem continua vivo e chutando.

O festival de bobagens que assolou a internet ontem, só é comparável aos fóruns de discussão futebolísticos. Uma lista interminável de latrinificações em forma de palavras.
Pessoas blasfemando contra as drogas, maldizendo a cantora por ser um mal exemplo, tomando para si o sarcástico berço do stand up nacional, aquela prática nascida nos clubes pelas mãos de comediantes como Crosby, Eddie Murphy ou Richard Pryor, plastificada e embalada em video clip por Seinfeld ou Marcelo Mansfield. Hoje em dia morre na falta de talento com Rafael Bastos e os internéticos que escondem-se por trás de uma erudição blasé, que não passa de vômito da falta de alma.

Tudo virou clichê amargo. Morte anunciada, o clube dos 27 e outras opiniões tão ignorantes que padecem de infelicidade. E aqui o termo ignorante é literal. Essas pessoas ditas sábias, não sabem (ou seja ignoram, portanto ignorantes), o que significa a palavra adicção.
Pois sim, Amy Whinehouse, antes de diva, era uma adicta.


Padecendo do mesmo mal que assola a crackolândia paulistana. Não há santa aparecida plástica que salve essas pessoas perdidas. Necessário antes da crucificação do mártir católico, pelas mãos sujas dos adoradores de um deus que não existe, é entender como funciona o organismo de uma pessoa corroída pela patologia do vício. Imagine então alguém que adoece em público, cercada por tablóides e atualmente patrulhas ideológicas que permeiam a internet twitteriana.

Não existe justificativa para quem se autodestrói ou para quem autopreserva-se, ambas atitudes são individuais e bakunianas ações de livre arbítrio. Mas o que interessa hoje é a cova dos leões recheada de cadáveres públicos. O aplauso vem do povo romano contemporâneo, que por entre as telas frias das conexões em banda larga, apreciam a morte lenta, vagarosa e com altos índices de ibope dos gênios que libertam almas presas no cotidiano.

Pois não pense em momento algum, careta leitor, que uma cantora como Amy não libertou almas quando expôs suas dores nas claves. Ela não apenas conseguiu fazer com que o soul fosse consumido pelas massas, mas fez algo que dificilmente os críticos repletos de moral podre conseguem. Fazer pessoas do mundo inteiro identificarem-se com o choro sentido no chão do banheiro, com a luta por ser ela mesma ou contra o vício. Porque não me venha falar que Rehab é uma canção de alegre junkie.
Não é.

Quem conhece adicção e já pegou da sarjeta restos humanos de amigos em quase overdoses de crack e cocaína, sabe que nas linhas da canção existe um pedido de socorrro. "And if my daddy thinks I'm fine" ("E se meu pai acha que eu estou bem"), mostrando a família distante e ignorando o problema. "He said I just think you're depressed"("Ele disse que eu estou apenas deprimida"), que abertamente fala das pessoas que a cercavam e tratavam-na como celebridade transloucada.
E o discurso segue.

"I don't ever want to drink again
I just, ooh, I just need a friend
I'm not going to spend ten weeks
And have everyone think I'm on the mend"

"Eu não quero beber nunca mais
Eu só oh, só preciso de um amigo
Não vou desperdiçar dez semanas
Pra todo mundo pensar que estou me recuperando"

Amy descreve aqui todo o isolamento de quem tem a doença. E mesmo assim, era capaz de escrever e produzir uma canção memorável por entre a tragédia humana pela qual passava. Isso é característica de gênios.
Gênios como Jean Michel-Basquiat (pintor e músico), Chriss Bell (Big Star), Dave Alexander (Stooges), Robert Johnson (o patriarca do blues e do rock), que também morreram com 27 anos. Nem todos pelas drogas, mas todos aos 27.


Não dos moralistas e apopléticos formadores de opinião cultural que assolam a alma brasileira em cada Twitter ou perfil de Facebook. Os falsos profetas da comunicação já me cansaram, e, definitivamente me enojam.
Pretensos conhecedores da história musical que escrevem sobre como a cantora foi tarde. Ignorantes patológicos que desconhecem uma doença tão grave quanto a adicção. Por ter feito da tragédia arte, a cantora inglesa já pode ser considerada um ícone.
A falsa noção de apenas mais uma celebridade junkie, foi criada pela mesma imprensa detratora de hoje, sedenta por tablóides e fofocas.
Amy era uma pessoa doente, nunca se engane sobre isso.

A liberdade de colocar sua opinião é primordial, nunca deixe que ninguém retire isso de você, mas saiba que opinião sem o menor conhecimento ou deturpação de conceitos não vale nada. Vivemos em uma biosfera que nega a capacidade do homem em viver livre, através de pré conceitos formulados pelos anônimos e donos da informação cultural.

O dia de ontem marcou a morte de uma menina que lutava contra o seu proprio cérebro. Uma mulher que renovou e colocou a música negra novamente na boca de todo mundo, como Janis fez nos anos 60.
Aliás existem mais paralelos na vida das duas do que pode imaginar seu conhecimento sobre música.
Ambas cantavam as amarguras de uma vida que padecia de uma alma que as ajudasse. Duas valquírias que lutaram com rimas e claves, contra uma sociedade tão careta hoje, quanto era nos anos 60.
O jornalismo cultural tem que morrer. Nos termos em que ele existe hoje. Cheio de conceitos pré fabricados por cabeças, fofocas e tablóides. A era da informação binária deve ser repleta de conhecimentos, para que se liberte os cíngulos daqueles que confundem uma doença com falta de caráter.

Eu sou o anticristo, eu sou um anarquista!!!!!!