28 de julho de 2011

GD 103. DISCOS EPIDÉRMICOS.


Existem minimalismos e minimalismos. Mas antes de soar como tal, é preciso tomar uma decisão que de tão precisa corre por veias perigosas. Decidir o que se é, pode demorar décadas, anos ou séculos, dependendo do que se queira. Mas a deliberação cerebral sobre o que se pode deixar para trás, e o que evoluiu, é tão traiçoeira quanto um serial killer. Por isso, em tempos onde fenocópias assolam o ventre em bigorna dos ouvidos, sempre é possível escolher um mutável gene.

Talvez todas essas preocupações nunca transpassaram as almas de Jessica Larrabee e Andy La Plant. Mesmo porque durante a audição do mais recente disco da banda She Keeps Bees, Dig On,  não existe nenhuma dúvida quanto o caminho por onde a banda anda. Desde o seminal ano de 2006, a dupla perambula pelo lado mais sujo e malemolente do rock.


Não espere a veia pop que extrapola as sinapses da Cults. O que se ouve desde os primeiros acordes da canção inicial, Saturn Return e sequência poderosa de Found You Out e Farmer, é uma inabalável capacidade brejeira de garagem. Não pela velocidade, mas sim pelo direcionamento em circulatórios e trêmulos riffs, que são de uma assustadora naturalidade nas mãos e voz da guitarrista Jessica. Plant emudece a bateria minimalista por sentidos cadenciados e texturas lisas e seguras, como em See Me.


Mas o que salta por entre os sussurros abafados em copos cheios de álcool, é a voz de Larrabee. Com timbres que são de profundezas oníricas e enlaçados por uma hipnótica dança de laringes sedutoras, a força está no simétrico palato quase tão áspero quanto sublime. Passeando por entre convulsões em lava de canções como a mesma See Me, ou pairando pela leveza de Sister Beware. Envolve suas artérias em óleo quente.

A banda escolhe o quase, nunca a dissecação em massa explosiva. Não existe dentro das músicas de Dig On, alguma coisa que arremata uma tonelada de batidas desenfreadas. O peso aqui vem da sombra empoeirada que transpassa pelas notas. Uma possibilidade do evoluir em caminhada. Tudo tem seu próprio tempo, nem por isso é detestável ou vagaroso demais. Make You My Moon coloca todas essas cartas em evidência, mas sem o pleonasmo sem graça de regurgitação. Cadência precisa e mais nada. Não existe solo longo, polvorosas demostrações de virtuoses.

Nada disso é necessário. A canção faz exatamente aquilo que precisa ser feito, de maneira potente e sem nenhuma afetação. Mas sempre existe espaço para a surpresa.

Desde Alison Mosshart, uma vocalização feminina não mostra-se tão uterina-erótica quanto a voz de Jessica em All Or None/Dark Horse. O início quase gospel dissolve-se em cabaré, a devoção é como o arranhar da pele nas costas. A virilha arroxeada em lábios úmidos e um arranque tribal ejaculatório. São literais dois minutos e quarenta e sete segundos de sexo oral.


Por mais que não se queira, a comparação sempre surgirá. Com outras linhagens de canções que possuem a seminal picardia que dança pelo blues e rock. Diferentemente dos Black Keys em Brother que colocaram os dois pés na visceralidade, She Keeps Bees não amacia a estrada. Mas caminha por ela entre nuances que amalgamam-se vagarosamente em forma de onda. A crescente Jupiter Deep traça distorções vocais e riffs encaixados com maestria. Da mesma maneira que Blind To The Cup, uma calmaria atrevida em nervos que aos poucos se dissolvem e voltam a encontrar-se mais sujos.

O hit já na décima faixa não fica atrás de nada que aparece no disco. Vulture tem a mesma linha assimétrica de bateria, mas coloca a vocação da banda com punho em riste. Mutação vocal e de guitarra, carregando o bater dos pés no chão. Subir para a superfície atravessando ordas de concreto, não guturalmente, mas em composição certeira. Técnicas pai menianas dentro do rock.

Pode ser que Calm Walk In The Dark e Burn (a dupla que fecha o disco), não sejam suficientes para que seu gosto possa ser conquistado. Mesmo porque esse terceiro disco da dupla é de apreciação em doses repetidas. Em cada audição pode-se enxergar a capacidade de hipnose de Jessica e Plant.
Tudo está lá em posição evolutiva.
Se existem discos que oferecem a percepção de cada pedaço de epiderme, Dig On é um deles.