9 de novembro de 2011

GD 116 O PODERIO DA UNIÃO DE RIFFS.


 Se a expressão construir originalidade não deve ser usada nesses tempos, talvez a perfeição da assimetria do incorreto possa explicar como certos discos e bandas são fantásticos medicamentos auditivos.
Mas os nascedouros dessas obturações de alma são por vezes complicados. O exemplo vem de além mar e a corredeira de sons é tão poderosa que por instantes seu encéfalo percorre milhares de milhas à bordo de um jato supersônico.
Só que do lado de fora.


A banda Deep Cut formou-se oficialmente em 2006. Na verdade a idéia oficial do guitarrista Matt Flint era outra. Inicialmente criado em formato de projeto eletrônico, nada indicaria que um dia a genética mudaria. Com experiências ligeiramente traumáticas com a banda anterior (Revolver), pois assinou um contrato  prematuramente e foi engolido pelo hype. Viu-se sem maiores explicações, decapitado do contrato e sem o grupo de amigos com quem tocava. Mas seguiu assim, como quem não procura explicações nas tragédias e consegue apenas usar o lacrimejar como força que impulsiona.
Tocou mais algum tempo com a Death In Vegas e paralelamente mantinha seu projeto como DJ. Quando a morte realmente chegou, ele decidiu que o próximo projeto seria a banda de um homem só.
Até escutar de sua esposa, a vocalista Emma Baile, que queria participar da banda. Matt descobriu a força produtora do compartilhar claves com quem se divide a alma.


O filho mais recente dessa união é o disco Disorientation.
Lançado oficialmente em setembro de 2011, mas chegando aos ouvidos do mundo esse mês. Poderia ser mais uma anarquia juvenil dirigida pelo amor.
Na verdade, além de colocar na alma do ouvinte a sensação de estar vivo, mostra que a cinzenta escatológica humanidade merece sim dias onde o sol pode transformar-se em notas de sonoridades hipnóticas.

O início shoegazeano e de namorados sangrentos que sugere a canção de abertura Inner Star, apenas deixa no ar o tom da leveza em notas que são calmamente aflitivas. Um dedilhar lento e marcações de compassos simétricos desabam em uma orda de riffs barulhentos e grudentos. São viagens de alternância na consciência dos ouvidos médios, em tons onde o céu parece fechar-se e descer de encontro ao chão. Mesmo com apelo quase britpopiano de Dead Inside Your Heart, a canção pode até parecer uma singela homenagem aos aposentados do movimento rápido dos olhos, mas possui o apelo do bater os pés pelo chão. Mistura doce de chiclete e a voz que acalenta pensamentos de Emma.



O fechar de olhos para o teletransporte de Next Disaster é tão rápido e jogado diretamente na sua cara, que por vezes pode parecer uma inédita regurgitação. Mas existem muito mais belezas nos riffs agudos no refrão do que pode imaginar sua filosofia web socrática. Poderoso single que tem a genética dos tênis sujos. Os metais que iniciam a parte final da música são apenas um bônus assimétrico.
A desorientação e eletrônica quase felizes de uma segunda-feira aparece em Magazine. Luxuriosa e inocente ao mesmo tempo, comove por entre as notas. Quase como uma sessão de sadismo católico.

Suposta incoerência na falta de uma linha direta dentro do disco não atrapalha, mesmo ao início de Something's Got To Give. Mais um pouco de violões envolvendo uma balada cinza que não destoa do bater femural. A banda consegue manter o interesse do álbum, sem perder a veia da audição até fácil. Pode ser demais para os angustiados adoradores de Sigour Rós, mas o rock não está aqui para ser coerente e sim para salvar o mundo pela diversão.
Se a maturidade é necessária, Decision Time tem um certo grau adulto que pode ser bem vindo.

Disorientation é bem equacionado e composto de nuances consideradas até fáceis. Makes Me Wanna tem peso de sobra para que nada seja tão audível quanto se espera. Os riffs tristes em Cruel Reminder não tem transgressão suficiente para ser considerada um hino, mas possui hipnose de sobra para horas de audição. Da mesma maneira, os de The Letter colocam explosões por entre o caminho mais tranquilo da faixa anterior, a bela About Face.

As experimentações quase juvenis de Out Of Nothing e Another Look In The Mirror não prejudicam, aliás essa última faixa é lava em forma de guitarras. Direcionado para as guitarras, a banda consegue manter o nível de interesse em cada faixa e prova que um disco aparentemente datado, jamais deve cair em desprezo. Prova viva de que ainda existe alguns genes de originalidade dentro do rock, que parece nunca mais ter algo mais do mesmo.

Deep Cut é uma banda pronta para você gostar desde a primeira audição. A delicadez da voz e o contra-balanço das guitarras trilham caminhos diferentes, mas complementam todo o quadro das canções. Uma coleção de acordes que vai fazer sua lista de melhores discos do ano complicar-se.
E muito.
Ouça uma amostra de Disorientation abaixo.