16 de novembro de 2011


 Não existe mercadoria maior que a alma humana.
A palavra mercantilista nem pode ser usurpada no sentido do capitalismo barato. Muito menos percorrer suas anarquistas e hemofílicas anunciações de revolta. Mas sim, almas humanas são traficadas em cada clave ouvida e cada acorde sentido pelo fundo de sua genética embebida em lama dentro de um festival de música.

A sagacidade do novo mostra a cada dia que o rock está novamente com seus dias contados. Outra profecia inca povoando as correções ortográficas e edições de textos sensacionalistas. A não existência de prófugos refugiando a lava da alma em acordes pode ser uma das formas de se olhar o cenário atual. Mas as previsões que esses três acordes acabarão, são tão velhas quanto a regurgitação de conceitos comunistas dentro dos ditos partidos de esquerda. E como sempre o gênero ainda permanece em pé.
Construindo gigantes que andam por entre os meros mortais e celibatários.


Petardos genéticos de cadeias helicoidais como um senhor Zé Pilintra "Grinch" chamado Mike Patton.

A questão não é a exata assimetria na apresentação do cantor e a banda Faith No More no festival SWU. Muito menos o set list quase tão devastador quanto um deslocamento tectônico.
O mote barroco existente fica nos braços de como uma pessoa nascida em Eureka, consegue conhecer sobre a cultura local melhor do que centenas de defensores do cancioneiro popular.

Longe da questão do bom mocismo (vide a famigerada colagem chamada Vídeo Macumba entregue à João Gordo no ano de 1992), temos em Patton um raro caso de alguém que não refastela-se em louros esparsos de fama. O grotesco e o histérico, apenas à serviço de projetos paralelos e canções, não ao estrelato desnecessário. A apresentação no festival realizado na cidade de Paulínia, foi apenas mais uma dessas centelhas de exatidão explosiva que persistem em cada trabalho do vocalista. Um set list recoberto em estranhas notas que desalojou dos ouvidos a necessidade dos grandes hits. Mesmo com as alegorias de Epic e Easy, nada permaneceu inteiro ou sem catarse durante as dezessete canções.

Mas são em pequenos detalhes que residem as espetaculares ações. O português tão macarrônico quanto é possível não denota apenas preocupação com a diminuição do espaço entre público e banda, mas sim uma capacidade camaleônica de amalgamar as diferentes culturas dentro da cabeça do artista. Vagando pelo país desde o ano de 1992, o apreço pelas claves é notório. Vide as canções com Sepultura e Bebel Gilberto no paralelo Pepping Tom. Do mesmo jeito a participação do poeta pernambucano Cacau Gomes.

Nada foi ensaiado com antecedência por empresário, muito menos uma manobra para amostras pedantes de simpatia pelo lado B da poesia nacional e assim soar como alternativo e intelectualóide.
Desde a primeira viagem à Amazônia, na época do Rock In Rio II, o senhor metamorfose iniciou o conhecimento pela arte tropicana dessas terras.


O final de King For A Lifetime e o início de Epic com a participação do poeta nacional, foi um dos melhores momentos do ano de 2011. Além de colaborar para o projeto do educador Gomes, o vocalista tem uma estreita relação com as traquinagens realizadas em uma das maiores comunidades na cidade de São Paulo.

Primeiro levou a Sinfônica de Heliópolis para a edição mais recente do festival carioca, em um dos melhores shows do RIR com outro projeto paralelo, o Mondo Cane. Nesse feriadão o coral é que fechou de maneira ímpar a apresentação do Faith No More na canção Just A Man. Não precisa vestir uma capa com superpoderes de araque ou adotar uma criança para que se faça política social. Patton também ajudou os dois projetos, mas nem por isso precisa da mídia massageando seus testículos como Bono Vox ou Madonna, duas crianças querendo atenção redobrada e mimos televisivos.

Experimental sem soar chato, como já prenunciam a queda nas vendas de Lulu do Metallica e Lou Reed, Mike Patton prova que mesmo com a morte mais uma vez anunciada (e decretada pelo próprio em uma entrevista à Zeca Camargo em 1991) do rock, é possível que em nosso mundo ainda existam artistas que permanecerão protegidos pelo látex corrosivo da vanguarda. Pedaços da história comentados por dezenas de anos durante muito tempo.

O show já está na íntegra pela internet e o áudio pode ser baixado aqui.