Ao abrir o poro lateral, deixava a pequena salinizada excreção corpórea escorrer pela órbita esquerda. Ao descer através da epiderme facial - descrevendo uma enorme elíptica carreira quase tão cocainômana quanto o pó que restava em cima do fotograma velho a mostrar uma estrada andaluziana - a velocidade de seus pseudópodes falsos era desconcertante. Uma pequena gota e mais nada, a face ruborizada, o suor alojado no cabelo e uma cefaleia pré derrame que jamais iria deixar de existir enquanto respirasse naquela noite. A lágrima então transcreve uma curva para o lado direito do pescoço, abarrotando de sal uma das passagens carótidas e desce desavergonhadamente através do terço inicial do esterno.
Enquanto isso, a farpa de madeira alojada na metade de seu antebraço, abre um sulco de horror, que possivelmente faria o gotejar de sangue pela mesa um mero detalhe. Mas a lágrima ainda assim descia, enquanto a fossa nasal entupia amargamente.
Descia em descontrole agora, não respeitando a anatomia. O sangue explode da ferida aberta pela farpa aguda. Goteja pelo bico do seio e assim uma parede está criada para que a lágrima jamais possa passar. Mas ela é violenta, determinada e inodora. Resvala na hemácea perdida no tumecer horizonte epidérmico marrom, despeja feromônios pela gota vermelha e enfim consegue penetrar o sangue. Um pênis latejante cai pela borda pseudópica da lágrima e arrasta consigo o clitóris sanguíneo.
O roçar é visceral.
A narina suga o amargo da língua adormecida e mais profundo ainda instala-se o pênis lacrimal. A hemácea treme, sorri chumbo e aos poucos parece querer desfalecer. Clama o fim da penetração, mas a lágrima parece não possuir ouvidos. Estoca, arranca pequenos pedaços de pele vaginal e seca a hemoglobina. O sangue morre enfim, a lágrima então permanece inerte com o pulsar peniano diminuindo, até que como um macho aracnídeo, perde seu membro e sua vida evapora-se em outra substância.
Ainda inodora...
Talvez o blues seja isso. Uma maneira do sentir matar a genética. O pulso intermitente do mais visceral estocando a equação matemática e biofísica que rege o funcionamento da fisiologia humana. Porém entender o funcionamento desse gênero é uma tarefa que poucas bandas ou artistas conseguiram. Stones, Hendrix e Zeppelin talvez sejam pequenos exemplos desse seleto grupo.
*Jack White escolheu ser o Michel Teló do blues...
Porém existem ainda ecdises. Uma dessas localiza-se na Andaluzia espanhola e chama-se Guadalupe Plata. Nascidos entre 2008 e 2007, Perico de Dios, Carlos Jimena e Paco Luis Martos, não criam uma genética. Em revés, reverberam transgressão sobre o clássico. Cantar blues em espanhol já parece um seminal sacrilégio, porém é preciso dizer - e ouvir - que nada pode parecer tão original quanto a desconstrução que o trio concede aos ouvidos médios em seu novo disco.
Homônimo e em cada faixa uma nova maneira de deixar a lágrima explodir a cadeia helicoidal. São poderosos riffs, um baixo que aos poucos transmite leves petardos hipnóticos. Concatenados ao delta do Mississipi de maneira ímpar. Tanto com as letras em canções como Esclavo e Demasiado, do mesmo jeito que nas sonoras Funeral de John Farey e Santo Entierro. São suores noturnos velados por uma guitarra amarga e seca, um deserto em claves que faz com que a dor da farpa cravada em seu antebraço seja apenas uma doce maneira do sentir a vida latejando por entre as veias cavernosas.
Ouça, clame por salvação e acima de tudo use como trilha...
* ironia.