8 de novembro de 2013

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Coronárias...

Existe a remota possibilidade
de meu coração acabar por matar-me,
isso não seria nenhuma imprecisão fisiológica
muito menos inadequação social anarquizada,
na verdade simplesmente seria isquemia
algo que pode acontecer fisicamente,
quando os cento e oitenta batimentos por minuto
deixarem de ser apenas uma marca
em um receituário curado particularmente.

Assim sendo, necessário é apenas
uma sincronizada linha de tempo dos fatos:
- Onde a ordem sairá do centro nervoso, e
colisões parassimpáticas e simpáticas elevarão as notas,
cabos eletrolisados quimicamente passarão a mensagem
que correndo atingirá fendas acetilcolinadas,
por sua vez elas deixar-se-ão transpassar pela lâmina
como se assim pudessem sentir o amor,
como se fossem elas ardentes libidinosas,
elas, as fendas, preenchidas eletrolicamente
umidificando-se ao atrito dos elétrons,
seduzindo os átomos latejantes,
deixando-os esperar pulsando cada vez mais forte
pacientes ante o momento certo da penetração,
brincam na borda do precipício das fendas.
Elas então permitirão o estocar rápido, o impulso
então ejaculado será ao vaso coronário, que,
entupido de tanto bater sentirá a navalha,
cortará a circulação ao meio e sentirá o vazio
de não encher-se de sangue,
aos poucos a dor
será lacerante e meus pulmões 
inundar-se-ão com ácido de bateria,
um minuto a mais e outro a menos
a dor enfim assentará no braço direito,
repousará dentro do cerebelo e o coração
irá matar-me, como prometera anos atrás
sentado ao lado do bar,
cheirando a última carreira branca
naquele banheiro sujo, onde as mãos
limpavam os restos de urina
quem nem ao menos minha era.

E isso acontecerá pois assim é um músculo ingrato,
maldito orgão corpóreo feito de desgaste e trabalho
um atleta recoberto por paredes grossas demais
anabolizado pelo excesso de vida,
ao final das contas ele bateu demais,
sentiu demais, odiou demais e amou demais
uma marreta cardíaca ressoou como trovão
durante anos e anos, dias e dias eternizados
em cada cicatriz de suas paredes, esse maldito
inimigo dentro de mim
paradoxo da fisiologia humana
que permite ser o centro de todas as sensações,
mas que aos poucos mata seu hospedeiro
como qualquer inseto infectado de parasitas, o coração
um cadáver que nasce com os dias contados,
como morada permanente do decrépito
que bate na direção do fim.

O que além de todo o mais
é contrário ligeiro, porque aquilo
que te faz mais humano, o tiquetaquear da bomba,
é o mesmo dispositivo que irá determinar seu fim.

Maldito sejas tu, menestrel da psiquê,
fiques a pensar que um dia sua força
determinará o fim dos meus dias,
deleite-se com a pequenez de seu ato mais mesquinho
o de deixar claro o quanto és egocêntrico e controlador,
coração maldita seja tua epiderme vermelha
ocas cavidades e válvulas sem pressão,
maldito sejas tu, general covarde que quando se enfraquece
esqueces que tens uma mente e uma alma que lutarão até o fim
Maldito sejas tu coração,
o grande acumulado de rancor a correr
pelas tuas putas hemácias, que te foderão de vida
até o momento em que minha vivalma
estiver respirando o amor, o mundo e a terra.

Pois existe dentro desse peito
uma centelha,
um pulso independente de tuas vontades,
resistirá dentro dos pulmões a força do ar
que a cada lufada derrubará todo esse ódio
que tens tu, oh maldito coração, pela vida minha,
esse pulso que se aquieta como um vingador
dentro de uma linhagem samurai de silenciosas espadas,
uma arma viva, pólvora seca de rastilho infinito
que um dia vai corroer tua podre epiderme de assassino.

Essa alma é sedenta de vida
ela não vai parar...