13 de fevereiro de 2014

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Pretérito

 Todo disfarce é pretérito imperfeito
como o arroz enroscava no hashi e nos solavancos da vodka
a lembrança trancada no banheiro
o nariz escorrendo restos de açúcar cristal.

A emissão de pseudópodes na direção do fígado
no amparo a voz rouca da cocaína
o vaso trêmulo como minha glande
no momento onde a urina precipita.

As concretas imagens dos velhos contorcendo-se
ao tentar caminharem no pós-moderno calçamento
em cada aglomerado analógico do medo residente no rosto
nascerão incertezas no futuro do presente.

Em cada par de pulmão imundo por diárias toxinas
em cada lábio rasgado pela ansiedade sanitária
em cada desaparecimento do corpo humano no cotidiano
em cada não ser eu no momento em que me reconheço.

A fumaça do cigarro atravessando paredes
envolvendo uma bolsa escrotal de cola
máscara de plástico sem manifesto
em sujas arquibancadas entre Washington e Bahia.

Renascer assim apenas ao existir o que se lembra
arrabaldes de uma terra seca e vermelha que doíam a cada lembrança
um otimismo cínico disperso no vidro do trem refletia perfeita simetria
entre o friso da porta e as amarelas alavancas de acordar no ponto.

O medo então torna-se mágoa, a mágoa torna-se ódio
os trens percorrem milhas através de milhas por entre milhas
o copo sempre cheio, o cheiro ácido de água ardente em uma praia qualquer
mesclado em nicotina e conhaque, erva e crack às nove da manhã
o mais puro querer no tempo do não querer.

A vida vadia, vazia, estridente e dormente nos vagões em direção à cidade de Marília
o resgate da Maria Mole descia como navalha
arrebentando os restos de uma suposta pureza
envolvida pela fumaça da maconha no último vagão.

Mas o corpo padece no futuro imperfeito
onde a morte espera o que teremos
dívidas levadas não serão depósitos apenas débitos e mais débitos com juros
nada que possa se transformar em ouro vem do que foi
muito menos em força transmuta a ficção alucinógena do que se viveu.

Resta a catraca à frente
a vida que ressurge em outras cores
resta a soma do virá
enfim um alento
ao mórbido dissabor do passado.