20 de março de 2020

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pandecrônicas I

ando pensando muito em lightning crashes, daquela banda qual o vocalista era uma mistura de michael stipe e buda. salvo engano -como se não fosse possível minha memória de rancor não recordar-se- o nome do quarteto era live. a música que eu mais gostava, pois me recordava nevoeiro. inicialmente pensava ser sobre morte, por conta do videoclipe meio mórbido repleto de imagens em transparência, contudo, enquanto os anos acumulam-se por entre as articulações dos joelhos e minha coluna meia volta reflete uma colisão de jamantas, percebi que a canção era realmente sobre um nevoeiro.


e como ele se dissipa.


são quase onze e meia. exatos cinco dias em que estamos todos à mercê de fechaduras, trancam-nos através de nós a cada lavada de mão ou borrifada de álcool em gosma. geleia que ao mesmo tempo liquidifica uma gama enorme de paranoias enquanto coloca seu corpo todo em estado de vivificação.


pronto, estou limpo como cristalinos.


a canção nada mais é que um crescendo de acordes, como cada passada saponácea por entre os dedos das mãos, naqueles eternos vinte segundos que separam a tua vida duma live no instagram dentro dum centro de tratamento intensivo, onde seus brônquios explodem e você clama pessoas nunca mais fumem (nem ao menos sem trago), pois irão precisar de seus pulmões quase mortos.


o nevoeiro adensa-se. os gritos daquele cantor buda alinham-se por entre a guitarra pressionado o pedal número três da esquerda para a direita. da esquerda para a direita, como foi o golpe, como foi aquela tosse no meio da coletiva, como foram todas as coletivas onde aquela fumaça branca cancerígena entendida como mitológica por seus eleitores (o consideram buda) exigiu crença numa completa série de mentiras tão escatológicas quanto os teus pulmões fumantes expulsos numa live do instagram dentro de um centro de terapia intensiva, onde você clama para que as pessoas levem à sério uma série de medidas, como por exemplo um acorde crescente de passadas saponáceas em seus dedos, como a voz crescente daquele vocalista parecido com buda.


são gritos arranhões faríngeos a lembrar tua possível contaminação, enquanto a paranoia sobe por entre o fá sustenido do baixo, amortecendo batidas assimétricas na ponte antes do solo, é preciso entender que são apenas cinco dias. são apenas algumas mentiras contadas em rede nacional, são pedaços de navios escravos refletindo todos os trabalhadores que jamais conseguirão voltar para suas casas em jornadas de trabalho pela metade, numa recessão inteira causada por uma série de mentiras, uma série de tossidas da esquerda para direita, como foi o golpe, como são as febres, como pedaços de pulmão expelidos numa live do instagram exibindo contaminações de ódio nas filas de supermercado.


enquanto isso a banda se esforça para construir uma canção pop cerebral do mesmo modo que a tua alma vai rasgando o cinismo estampado numa pff2 ou seu cérebro escolhe entre quebrar a perna do cidadão que cortou sua frente na fila ou terminar logo a tarefa proposta fora de casa, antes que alguém entre correndo no teu espaço seguro de um metro anti contaminação e cuspa um pedaço do pulmão na tua órbita, violento como corrente de notícias falsas do whatsapp.


os acordes jamais serão magistrais pois a live é uma banda média. média como as medidas tomadas por senhores que vestem máscaras com bojo e cobrem seus seios nasais como uma atriz de soft porn. eu espero que o sentimento volte, como diz o cantor budista, porém é apenas o ódio guia por entre os minutos onde presumo estar mortalmente doente. são caminhos construídos como os acordes repetidos onde o cantor pode sentir que pode sentir o que sente, pode sentir meus pulmões colapsando por entre os minutos quais espero a primeira tosse com catarro sanguinolento.

sanguinolento como o presidente genocida que hoje ouve panelas enquanto tosse por entre as coletivas da esquerda para a direita, na mesma direção que o verso sobre uma mãe velha morta percorre os fones de ouvido. o nevoeiro, ou será sobre a morte, ou será sobre a morte como um nevoeiro de catarro contaminado. são agora vinte e três e trinta e cinco. não há líder ainda escolhido pelos pilares rodopiantes do reality show, existem milhões de lives no instagram onde pulmões são expostos e expulsos de dentro das almas que pedem que você sinta e fique em casa.


não há líder dentro do país. há um projeto de golpe militar disfarçado num estado de sítio, num nevoeiro repleto de catarro, numa canção mediana, de uma banda mediana, de um país que se encontra no meio de uma curva de contaminação e que tem total liberdade de contaminar onde moramos, contaminar como o demente sociopata que tosse da esquerda para a direita. como no golpe, como na live do instagram onde seus pulmões estão repletos de lágrimas que jamais você sentiu que as pudesse ter. onde a vontade abrir a janela e pular de cabeça no asfalto esperando que ele se torne um nevoeiro só acontece se o vocalista -em forma de buda e michael stipe- cante que o sentimento pode ser sentido.


a canção não é sobre nevoeiro, mas é sobre a morte em forma de névoa. aquela que contamina cinco dias de transmissões ao vivo de um sociopata (a ser retirado da presidência imediatamente), aquela que convive por entre as mensagens de whatsapp e perfazem teus pais zumbis antes mesmo de cuspirem seus pulmões em uma live do instagram.


é sobre a morte mentirosa de que o isolamento não é uma oportunidade de entendermos muito mais sobre nós mesmos e como vamos sobreviver depois deste golpe da esquerda para a direita. é sobre como a luz atravessa por entre essa mesma névoa de morte.


é sobre viver infinitamente até que a última célula do teu corpo seja espremida em luz, som e catarse numa live do instagram onde teus pulmões explodem.