7 de fevereiro de 2014

Antes do nascimento do Universo eu permaneci adormecido por longas passagens do que costuma-se chamar tempo, minha cria gosta de dizer em nossos encontros que esse período vivido de trás para frente, enquanto a massa escura tentava expandir-se em algum lugar dentro de mim, foi a única prova de minha bondade. Sempre dizia a prima forma generosa aconteceu enquanto eu permanecera dormindo indefinidamente, e que depois do despertar de minha consciência ao existir, qualquer traço de compaixão que pudesse florescer dentro de meu infinito ser nunca mais poderia ser concebido, essa foi a ímpar cena onde dei espaço à um outro tipo de matéria deixando minha própria existência em segundo plano, um engasgo evolutivo onde entendi o altruísmo do deixar crescer algo externo independente de minha vontade, deixando-me assim possuir por uma involuntária forma primitiva do que vim a criar depois, o chamado amor, e que jamais consegui compreender ou deixar tomar-me por ele novamente. Obviamente que a ideia dela era completamente infundada, porém é preciso entender que nem mesmo ela tinha ciência, quando discursava sobre minha inabilidade em amar, desse seu erro de julgamento. Porém existe uma quantidade de verdade nesse conceito de existência concebido por minha cria, visto que jamais consegui realmente sentir algum tipo de afeição por nada, nem um único traço de felicidade ao ver o despertar dos cães caçando migalhas, envoltos em nuvens aristotélicas saídas dos cachimbos de crack de seus donos, moradores inebriantes e saltimbancos do Elevado Costa e Silva, pelas luzes que emolduravam o escuro nas alamedas de tijolos soltos e gramado semiúmido de urina na Praça da República¸ nenhuma curva de sorriso ao refletir o sol nas nascentes poças em bueiros repletos de lixo em uma tempestade de verão, nada que esboçasse uma quinquilharia dental mais larga ao ver que o vento, construindo-se em dobras atemporais no formato de seus canalículos, empurrava com maestria as nuvens Ozymandias, presenteando o céu cinza, poluente e anêmico com pequenas anedotas, inexistente empatia com as saias nos tempos mais desérticos, as saias a emoldurar genus valgos ou varos, genus que entreolhavam-se por entre as casas costuradas, as casas em formato vaginal alojando em seus pequenos lábios distorções por onde se forçava a entrada de seus inquilinos, os botões, moradores que sonhavam cotidianamente em manter sua vida menos miserável ao conseguirem alcançar a epiderme de orvalho, botões rodeados por pregas estridentes que permaneciam como longos penteados encaracolados, as pregas, lançando tentáculos por toda a extensão norte sul leste oeste das pernas, pernas em canvas desenhadas originalmente por mim mesmo, espaçadas como dois compassos simétricos à uma paleta de palavras que descreveria cores inebriantes dentro das saias, as saias, pregas e as pernas, os genus, nada disso era capaz de soltar um único gemido de felicidade em mim, nada, o mesmo nada filosofal que ninguém define, o mesmo nada, berço de meu nascimento, seja esse talvez o ponto e a morada de todos os problemas que aconteceram no decorrer da vida dela, o meu nada sempre foi extremamente maior do que qualquer conjunto de invenções ou somáticas soluções inventadas pelos meus descendentes seres humanos, nunca existiria uma única sombra de esperança esverdeada para que a felicidade nascesse dentro de minha suposta alma, isso explica a desmensurada escuridão que recobriu tudo sobre ela, pois eu sou ela, e ela eu, unidos pela única centelha que nos torna (todos) siameses, a melancolia.