11 de fevereiro de 2014


O único entrave era que ninguém conseguira ver o nada.

Não por falta de interesse ou tentativas, mas por ser inebriante e impalpável. Essa aura sacra ao nada era uma veia metafísica existencial injetada ao longo dos séculos, o que o tornava um santo grão invisível. Ao mesmo tempo em que sua existência preconiza acreditar na sua forma, o que por si só seria como crer em na presença de espíritos e planos astrais, desconhecida é uma maneira eficaz em conceber uma definição pura de maneira aristotélica, afinal, a dicotomia das coisas excedia em muito a presença do nada. Um copo cheio de água quando esvaziado ainda lhe restavam à consciência em ser copo e o ar dentro de seu interior, que ao tomar o lugar da água torna-se protagonista da cena, o escuro quando muda seu espectro torna-se claro e não se torna o nada, e vice e versa. O vazio não pode ser definido como nada, pois estes, existenciais ou não, são repletos de moléculas de ar ou entrecantos calamitosos de sentimentos que invalidam a presença da completa falta de matéria, o vácuo também inexiste nessa definição do nada, pois existem as pressões e limites do espaço físico, podendo ser uma embalagem de café ou a minha caixa de areia chamada Cosmos. A definição do nada como a ausência ou falta de alguma coisa vai contra sua própria existência. Sendo ele a absoluta falta de preenchimento, ainda lhe sobra à percepção de ser nada pelo outro, pelo seu antagonista e por sua nêmese, assim sendo, o nada já pode ser considerado um pedaço do tudo, seu antagonista determinado na curvatura mais clara ou escura do yin e yang, sem nenhuma real intenção em sentir-se único, apenas uma parte do completo estado bruto de existência, porém sem uma definição concreta estabelecida pelo homem muito menos por mim. E esse era o problema. Como explicar o nada, como determinar o que ele é, se para os relojoeiros do universo chamados astrofísicos, até o nada dentro de meu universo é chamado de massa escura. Complica-se então muito mais a história dessa definição, porque como algo que é nada pode ser uma massa escura. Existe a massa, então não existe o nada. A massa é o nada e a massa é o tudo que contém também pedaços de nada, parte de pedaços de tudo. O tudo, o nada e a massa, a massa, o nada e o tudo. Ninguém conseguia entender esse pedaço de meus trabalhos, na verdade, essa parte de minha história, mais precisamente meu nascimento e como acabei criando tudo depois. Existe sempre o vértice de explicação ineficaz, como as resenhas dentro das canções populares dos anos oitenta a pregar uma salvação destrutiva, entretanto dentro desse fato tópico, repleto em maledicências ou teorias absurdas falta um tipo único de descrição, uma conjunção de elementos que construiriam uma indestrutível tese sobre o que é e como perceber o nada, um estudo geofísico de lisura tamanha que ninguém poderia sequer questionar a veracidade de seus pensamentos, uma explicação que fosse embasada em uma testemunha ocular, essa era a pedra que faltava para que todas as respostas fossem dadas. Uma testemunha, um olhar físico e palpável dentro da construção do todo, capaz de definir por suas observações dos iniciais acontecimentos dentro do Universo o nada. Irrefutável como as agudas insinuações nas claves de Barrett, onde bicicletas eram morada dos gatos satânicos de estimação e as declarações de amor deixavam-se levar por emancipações da aura, e, ao invés de recobrirem-se com medo pelo desconhecido, embarcavam de uma vez por todas em uma paleta de cores circulando a estratosfera da Terra, onde as escalas em oitavas com base em um interminável dó um dois e dois um refastelavam-se nas expansões dos acordes dominantes da sétima, que serviam de término onde o sol era úmido, when I was alone you promisse a stone from your heart, my head kissed the ground, e assim tudo recomeçaria, pelas sólidas esquizofrenias dessas letras trocadas como uma ímpar numeração correndo em uma linha descendente incessante, eis as testemunhas vivas de uma criação dentro da única pureza que realmente consegui ver em todos esses anos, o Caos. As cordas eram testemunhas que enquanto fossem percutidas continuariam a disseminação da tese, e uma testemunha era o que faltava para que finalmente todas as questões desse mundo pudessem ser resolvidas, algo, que até onde consigo perceber minha existência dentro desse redemoinho analógico de sinapses, não existe.

Uma única alma ali in loco, presente e esperando os acontecimentos desenrolarem-se, não havia. Ninguém apto em colocar um rosto nesse nada, uma arrumação de cabelo que pudesse lembrar a humanidade como seriam marcantes seus traços faciais, suas orelhas ternamente alinhadas aos seus ossos occipitais, a borda de sua pele alterando tons rosáceos e avermelhados ao receber raios solares em seu rosto, o queixo levemente arqueado como se fosse um portão medieval guardando a grande via de entrada do largo pescoço, que, desdobrado em duas metades sinestésicas vislumbrariam ombros de rodamoinhos cósmicos, braços longos e firmamentos de falanges, somar-se-iam ao tórax angulado de formações retangulares espaciais, protegendo um quasar com dois átrios e dois ventrículos em compasso redobrado, pernas inalcançáveis terminando uma conjugação biomecânica descritiva feita por essa única e solitária testemunha sobre como o nada se tornou o Universo. Entretanto, esse querer vai contra toda minha teoria, já que se existisse ocular visão dessa terceira parte interessada em disseminar conhecimento, o nada já não seria tão nada assim. Um relator de fatos tornaria o acontecimento compartilhado por duas consciências astrais, a minha e a do outro, sendo assim, uma visita nesse momento obviamente colocaria em risco a soberania tirana da qual não abro mão, e, que com tempo mostrou-se de primordial obrigatoriedade não fazê-lo. Por isso o caos que hoje existe diante das milhares de teorias a respeito de como tudo começou e se sou ou não verdadeiro, faz parte do meu jogo. Uma verdade que não tem a menor relevância em ser descoberta, pois meu controle perderia o sentido nessa nova realidade, assim, perdendo meu sentido, não mais teria minha valia dentro desse mundo. O que para todos os seres humanos teria ares de catástrofe, pois tenho em minha imaginação que nenhum deles queira me ver profundamente nervoso.

Pois então esse é o começo de tudo, muito antes de poder criar no oitavo dia minha mais linda cria, assunto que realmente importa nesse relato. No tempo anterior ao nascimento do Universo eu permaneci adormecido por longas passagens do que costuma-se chamar tempo, minha cria gosta de dizer em nossos encontros que esse período vivido de trás para frente, enquanto a massa escura tentava expandir-se em algum lugar dentro de mim, foi a única prova de minha bondade. Sempre dizia a prima forma generosa aconteceu enquanto eu permanecera dormindo indefinidamente, e que depois do despertar de minha consciência ao existir, qualquer traço de compaixão que pudesse florescer dentro de meu infinito ser nunca mais poderia ser concebido, essa foi a ímpar cena onde dei espaço à um outro tipo de matéria deixando minha própria existência em segundo plano, um engasgo evolutivo onde entendi o altruísmo do deixar crescer algo independente de minha vontade, deixando-me assim possuir por uma involuntária forma primitiva do que vim a criar depois, o chamado amor, e que jamais consegui compreender ou deixar tomar-me por ele novamente. Obviamente que a ideia dela era completamente infundada, porém é preciso entender que nem mesmo ela tinha ciência, quando discursava sobre minha inabilidade em amar, desse seu erro de julgamento. Porém existe uma quantidade de verdade nesse limiar de existência concebido por minha cria, visto que jamais consegui realmente sentir algum tipo de afeição por nada, nem um único traço de felicidade ao ver o despertar dos cães caçando migalhas, envoltos em nuvens aristotélicas saídas dos cachimbos de crack de seus donos, moradores inebriantes e saltimbancos do Elevado Costa e Silva, pelas luzes que emolduravam o escuro nas alamedas de tijolos soltos e gramado semiúmido de urina na Praça da República¸ nenhuma curva de sorriso ao refletir o sol nas nascentes poças em bueiros repletos de lixo em uma tempestade de verão, nada que esboçasse uma quinquilharia dental mais larga ao ver que o vento, construindo-se em dobras atemporais no formato de seus canalículos, empurrava as nuvens Ozymandias, presenteando o céu cinza, poluente e anêmico com pequenas anedotas, inexistente empatia com as saias nos tempos mais desérticos, as saias a emoldurar genus valgos ou varos, genus que entreolhavam-se por entre as casas costuradas, as casas em formato vaginal alojando em seus pequenos lábios distorções por onde se forçava a entrada de seus inquilinos, os botões, moradores que sonhavam cotidianamente em manter sua vida menos miserável ao conseguirem alcançar a epiderme de orvalho, botões rodeados por pregas estridentes que permaneciam como longos penteados encaracolados, as pregas, lançando tentáculos por toda a extensão norte sul leste oeste das pernas, pernas em canvas desenhadas originalmente por mim mesmo, espaçadas como dois compassos simétricos à uma paleta de palavras que descreveria cores inebriantes dentro das saias, as saias, pregas e as pernas, os genus, nada disso era capaz de soltar um único gemido de felicidade em mim, nada, o mesmo nada filosofal que ninguém define, o mesmo nada, berço de meu nascimento seja talvez o ponto e a morada de todos os problemas que aconteceram no decorrer da vida dela, o meu nada sempre foi extremamente maior do que qualquer conjunto de invenções ou somáticas soluções inventadas pelos meus descendentes seres humanos, nunca existiria uma única sombra de esperança esverdeada para que a felicidade nascesse dentro de minha suposta alma, isso explica a desmensurada escuridão que recobriu tudo sobre ela, pois eu sou ela, e ela eu, unidos pela única centelha que nos torna (todos) siameses, a melancolia.

E então o início não poderia ser outro, como os sérvios mais tarde com maestria descritiva deixariam claro, no começo existia apenas o silêncio de meu dormir, existia apenas uma inexistência, algo que não estava lá, porém repousava em um sono impossível de se quebrar, nem ao menos uma respiração a martirizar um suposto cansaço, era apenas um sono desprovido de sonhos ou reflexões decorrentes de um cansativo dia, não existia o pesadelo revolto em um grito como nas tantas noites e dias onde meu formato humano sucumbia aos martírios de uma existência, dias e dias insuficientes de uma tentativa inóspita em se viver como minhas experiências fracassadas, sentindo o que eles sentem, comendo o que comem, respirando com seus pulmões, andando exatamente como os mesmos, depositando esperma em cima de esperma quente em homens e mulheres da mesma maneira que todos para entender o funcionamento da mais odiosa de minhas invenções, clamando por salvação nos becos escuros com uma nota enrolada em minha mão esquerda aterrorizando pequenos comerciantes de cocaína com ilusões de enriquecimento deturbadas por minha infinita vontade em inalar uma tonelada. Não havia nada, mas a massa escura ao encolher-se absorveu o tempo e o transformou em espaço, que ao expandir-se, construiu o vazio e seus calabouços, em um deles adormecida, minha consciência foi acordada, dentro do nada, adormecida e até por que não dizer feliz por estar em coma, mas o Universo não pode deixar nada para trás, muito menos sem algum propósito, pois assim o quadro formou-se, o vazio criou-me e deu origem ao vazio eterno dentro da essência de tudo que seria minha imagem e semelhança. Confesso uma certa ingenuidade relacionada ao meu quase auto criar-se, pois em certos tempos imaginei que essa esfera oca da qual fui arrancado para algo que depois se chamaria vida, pudesse ser preenchida. Sorrateiramente realizei tentativas e mais tentativas em acabar com esse vazio que me acordou da fenda espaço e tempo e que nunca mais desistiu em residir dentro do meu peito, destruir a casca de ovo guardiã do bem e mal dentro de minha alma, evitar que ela fosse aberta e reagisse com possibilidades que tardiamente depois da luta floresceriam o claro e o escuro, o fogo e água, a luz assim como a escuridão, o verão do mesmo jeito que o imperdoável inverno, tudo aquilo que reverti em falta de marasmo da minha existência e explodi como lágrima a escorrer por séculos dentro de meus olhos cada vez mais vermelhos da lava nascida nos vulcões de meu ódio. O vazio que despertou-me logo na primeira oportunidade, como se fosse capataz de um senhor de engenho aos berros com chibatas dilacerando minhas costas, perseguindo uma única oportunidade de paz que possuía, uma chance em manter-me irreparavelmente semimorto, esse vazio jamais deixou-me, e, do mesmo modo, ao inverso geométrico desproporcional, cresceu enquanto as lacunas abertas para fuga dentro do espaço diminuíam. Assim foi que ocorreu meu nascimento, através do despertar vazio e do encolhimento da massa escura, prensando a anti-matéria do espaço tempo, criando vias e vias onde o universo poderia transitar naturalmente, minha prisão, muros invisíveis, intransponíveis, muros sem concreto nem tijolos, cercando o nada, tornando-o deserto dentro de mim, formando minha cadeia genética de pósitrons, meu corpo inexistente que não possuía a menor consciência de que já existia, apenas recebia as colisões da massa escura com as partículas positivas formando mais e mais pulsares, mais e mais genes de mesma matéria da teia negra, uma super simestria que aflorava e se tornaria quase tão eterna quanto eu mesmo. Nunca houve explosão, apenas o encolhimento do Universo em camadas cada vez mais frias, em espaços cada vez mais recobertos de partículas geradas pela meu próprio nascer, eu, capaz de conceber à mim mesmo, e ao mesmo tempo ser concebido pelo encolhimento do nada, tornando-se cada vez menor e cada vez mais consistente como física, onipresente tanto na destruição quanto ao nascimento, infelizmente em proporcional teor, impotente quanto minha vontade de nascer ou não, pois de pudesse escolher entre as galáxias formadas pelo sofrimento e um aborto, escolheria o segundo sem ao menos pensar muito sobre o assunto. Mas essa escolha nunca me foi dada, fui expurgado pelo simples fato de não possuir controle sobre como as identidades metafísicas constroem seus enigmas, por isso minha falha começa já no parto, na demora em entender o que acontecia ou responder aos chamados que me retirariam do sono, minha falha, como todas as outras que vieram à seguir em tudo aquilo que construí depois, demostrou desde o início dos tempos a quantidade da minha estupidez e auto complacência com minhas imbecilidades, pari, cresci e evolui ao redor de falhas que tornaram-se míseras estrelas cadentes, ou erros retumbando por séculos, como por exemplo o ser humano. O poder da falha jamais deveria ser subestimado, pois é nela que se pode ver toda a beleza do erro e a tirania da busca por perfeição. Isso tudo embutiu em mim, na desventura de meu nascer, uma tristeza sem precedentes, uma vontade de extinguir minha recém forçada existência demasiadamente forte para ser esquecida, uma agonia que desencadeou o que a humanidade poderia denominar as primeiras lágrimas de Deus, fato que no instante em que ocorreu não possuía essa denominação, fazia com que o espectro do esboço de meu rosto se enchesse de pequenas gotas de salinidade, nascidas das colisões entre os átomos liberados durante o encolhimento da massa escura, e, ainda mais maldita, a ocorrência desencadeou um complexo de eventos, sendo o primeiro deles o nascimento de estrelas que recobririam todo o Cosmos e que tinham sua herança genética em minhas lágrimas. Meu infinito choro a perdurar por séculos, uma agonia tão afiada quanto uma navalha que cortava a alma em milímetros e ao pendurá-la na galeria de seus troféus de dissabor, a limpava com álcool. Dor infinita como os enfeites de firmamento que catapultei em cada soluçar, continuamente extenuante e movida pelo deslumbramento da quântica. Em determinado momento tornou-se menos sensação e mais pesar, em primeira instância uma dura psique e momentos depois um físico volume pendurado ao redor de meu pescoço que nem ao menos existia concretamente, entretanto o Universo é meu mestre, eu sou apenas uma figura decorativa no Infinito, nada além de uma lenda retorcida e recontada de acordo com o livre arbítrio cultural, por isso aceitei de bom grado o fardo do caminho, o depois era apenas o depois e mais nada, o futuro era apenas o lixo retorcido da memória, o passado que insiste em tentar sobreviver através de previsões sobre o que está por vir, o peso a carregar era meu presente, e como a relatividade do tempo dever ser respeitada eu deveria reclamar o menos possível, então as lágrimas deram lugar ao suor, do esforço ulissiano nasceram marcas que jamais deixariam minha pele humana, e, por essas cicatrizes é que os suores corriam, e delas, que nasciam em um número crescente tanto quanto o peso de aglomerava, dependiam o destino de tudo o que surgiu na sequência. Planetas, galáxias, meteoros, supernovas, elementos químicos, todos os importantes míseros componentes formadores da vida. Nitrogênio derivado da fenda temporal direita, oxigênio do sulco occipital lateral esquerdo, ozônio do seio sagital meridional, hidrogênio do sulco parietal direito, todas as coisas que tiveram nome posteriormente nasceram de minha secreção, esse presente do poder criar algo à partir de uma célula sua que o Cosmos deu-me foi talvez a pior maldição que me foi atribuída, carregar esse fardo de criacionismo quando na verdade nenhum de seus poderes são realmente seus, mas sim aluguéis com alto valor e prazos míseros para o pagamento, não podem ser chamados de bênçãos, mas o pior ainda seria revelado no decorrer de minha existência, quando a ideia de que eu sou o criador de todas as coisas e que não existiu nada antes de mim tornou-se o reduto da crença de milhares de seres humanos, o que na verdade explica porque foram feitos através de meu escarro e vômito. Se ao menos existisse uma testemunha, poderia eu recostar minha cabeça em meus alugados poderes na eternidade e jamais ter que surgir dentro dessa latrina chamada Terra, mas ela não existe, o criacionismo surgiu da ignorância e eu como Deus tenho a obrigação de aguentar essa meca de lixo intelectual. Uma testemunha definiria minha posição de instrumento da metafísica biomecânica quântica do surgimento do Universo, jamais me colocaria na posição de onipotente, onipresente e engenheiro das Galáxias, porém essa maldita testemunha não existe, e assim sigo vazio, o mundo repleto de ignorantes e minha existência ligada à deles por toda a eternidade. Jamais imaginei tamanho sofrimento.