8 de março de 2014

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Negação

Existe apenas a negação, rosa sem casa,
sem entrada e portão, apenas o não atrás do não,
algo que se deglute vagarosamente, como rancor ou ódio,
como alguma coisa que entala na garganta e cresce como câncer,
uma artimanha das mais torpes feita a cada dia pela vida,
pois o concreto é apenas a negação, nada mais,
nem o fundo do copo, muito menos o cigarro queimando as arestas de seus dedos.

Nem ao menos a dignidade do aviso, apenas um soco seco,
uma lata repleta de pedras acertando sua cabeça sem sinal,
sem marasmo, sem alerta, apenas pedras octaedras,
mundanas ao mesmo tempo repletas de sanidade, 
a única coisa que seu peito em aparente explodir em dor,
jamais conseguirá atingir.

Apenas o não, o nunca, a desqualificação do exercer,
as notas bestificadas em avaliações subjetivas,
o respirar serôdio de uma vida que começou tarde,
enlaçada por devaneios eternos de mentiras
a cobrar seu preço na velhice,
o estômago que padece de uma melhor colocação, a alma sem jeito,
o manejo irrestrito dos poluentes escorrendo na pele,
enquanto as tentativas em se tornar algo melhor do que apenas um endoesqueleto,
tornam-se cada vez mais inertes.

O caminhar é pesado, o caminho lamacento,
as entradas e suas espessuras de concreto lacradas,
as pessoas a sorrir sabendo que a desgraça se aproxima, 
as mãos que lhe empurram na direção do abismo,
as anedotas contadas pela morte no final do balcão.

Não é uma das faixas desse eterno lado bê,
acordes suásticos lambendo tua boca, acariciando teu querer,
o álcool dizimando esperanças,
o não arrastando-se pelas arestas,
consumindo os restos do corpo já decapitado,
cuspindo nos vértices do coração,
exumando os restos carnais do querer,
são diretos e ganchos em particípio passado do acertar sem descanso,
são os mínimos choques elétricos na uretra,
a vida vagarosamente retirando sua pele e deixando seus restos nus,
tocados pelo vento repleto de areia e cimento,
dissecando seus músculos,
gelatinosas miosinas,
actinas a resplandecer o podre das ruínas,
o não sem rosas e casa,
os restos que fecham feridas,
as luzes que aos poucos tornam-se cinzas,
são as mesmas do caleidoscópio.

E assim no entretanto do passar dos dias,
onde as linhas brancas unem-se no paralelo infinito do vidro ocular,
os passos são dados na direção desse mesmo não,
o não passado pelo cordão umbilical,
o não que se ganha sem querer,
sem saber que existe a negação,
os passos sempre na direção do não que nos espera como amante saudosa,
como mãe zelosa que nos assassina,
o não,
sempre a contar com nosso caminhar em sua direção,
é também não, o não temer o não,
lhe devolver o direto de esquerda bem no meio dos dentes,
e com sua boca sangrando,
sorrir ao não como um sociopata, arregalar os olhos, gritar e correr em sua direção,
possuído com todos os demônios moradores e vizinhos,
avançar sem piedade no terreno cartesiano,
bater, bater, bater, bater, bater, bater e bater,
até o não sem rosa e sem casa cair,
até sentir a morte dele aos poucos,
pela respiração ofegante,
depois de tanto apanhar,
e mesmo com toda essa fúria disseminada,
bater ainda mais.

A vida nada mais é do que um ringue,
um lugar onde cavalos de força são reis,
nuances de delicadeza são pontos de apoio,
as luvas da negação penetram,
acertam teu rosto deformando-o,
o baluarte da esquiva se faz tão necessário quanto a respiração certa do ripostar,
acertar a negação com ódio e luvas de câncer,
é o que resta, sem casa e sem rosas.